segunda-feira, março 06, 2006

O DIA EM QUE O CLAUDINEI ENCONTROU SEU ÍDOLO

O Claudinei Vieira é um rapaz muito simpático que tem um site literário da hora, o Desconcertos (www.desconcertos.com.br). Ele comparece a todos os eventos literários, palestras, lançamentos, debates e quetais nessa cidade. Eu também compareço, mas só pra ver se o Claudinei se anima a fazer o seu famoso número de striptease. Até agora, nada. Mas a esperança é a última que morre.
Mudando de assunto (aí, Claudinei, e o strip?), parece que um dia nosso herói estava em casa, sem fazer porra nenhuma, quando recebeu um telefonema convidando-o para conhecer o Lou Reed. Isso mesmo, gente, o Lou Reed – aquele famoso roqueiro americano cujo talento e genialidade só são ultrapassados pela sua feiúra. Gente, eu se visse o Lou Reed travava na hora! Já o Claudinei não, ele é um cara muito mais cool, sacou? E olhem só o que ele fez:

MERRY CHRISTMAS, MR. REED

Claudinei Vieira

Tava assim tipo bundando na vida (em verdade, estava fazendo algo muito sério: relendo pela 67a vez o Sandman - Prelúdios e Noturnos da Conrad, um clássico clássico), quando me liga um amigo (um "conhecido", digamos assim, um cara que até gosta de algumas coisas que escrevo, mas com algumas opiniões e classe social muito diferentes, o que impede uma verdadeira amizade) (em verdade, o cara é quase um mala, mas de vez em quando me paga umas cervejas, então tudo bem), me perguntando se eu não queria conhecer o Lou Reed. Fiquei alguns segundos tentando entender a pergunta. Ora, eu conheço o Lou Reed!, tenho vários discos (bolachas) e se não possuo a discografia completa é por absoluta falta de desenvolvimento econômico individual apropriado. Foi o que disse a ele. A resposta foi em um tom impaciente. Não, Claudinei, Conhecer mesmo, a figura está na minha casa neste momento, tenho que ficar fazendo sala, e sei que você gosta dele (acho que eu o tinha citado em uma resenha sobre um livro do Bortolotto); mas tem que vir já, pois está indo embora hoje mesmo, no final da tarde. Percebi que era algum tipo de brincadeira (embora vindo dele fosse meio estranho) e foi o que disse. A resposta foi mais impaciente (pelo visto, detestava que duvidassem de sua palavra). Pelo que parecia, Reed estava em surdina no Brasil, tomando conta de alguns detalhes burocráticos/ sócio/ culturais/ econômicos com sua gravadora e o seu irmão (do meu amigo) era uma espécie de produtor musical (no mínimo, conhecia um mundo de gente do meio) e tinha oferecido sua casa para o roqueiro descansar antes da viagem de volta. Em verdade, eu nem ouvia mais, pois estava ficando nervoso: a coisa semelhava-se à realidade e a simples possibilidade de me encontrar face-a-face com Lou Reed (LOU REED!) fazia minhas pernas bambearem. Tá bom, tá bom, eu te ajudo a fazer sala pro cara.
Nem me troquei, meia hora depois já tinha chegado. Só para ter uma idéia da casa: tem duas salas de jogos (!), uma só para abrigar uma enorme mesa oficial de bilhar. E ninguém naquela família joga bilhar...
E ali estava ele, jogado em uma poltrona, folheando uma revista, com uma cara de tédio mortal. O cabelo esquisitíssimo, cortado muito curto, realçava o rosto marcado por rugas profundas, deixando-o muito mais velho do que imaginava (uma enorme besteira minha, eu sei). Na mesinha do lado, um copo alto do que parecia ser vodca com gelo, mas que (não sei porque) eu tinha certeza absoluta de ser somente água gelada. Em outra poltrona, um homem mirrado, de terno, que nunca soube quem era, quase cochilava. Meu amigo falou alguma frase indistinguível e saiu, me deixando sozinho, de pé, no meio do aposento. Reed me olhou de lado, fez um rápido aceno de cabeça e voltou para a revista.
But, and then...
E aí?
O que se fala para um ídolo que, de repente, se materializa na sua frente? Como dizer da importância que sua música teve em sua formação de adolescente, na sua visão de mundo, no seu jeito de ser e pensar? Como dizer Sim, eu sei que você é um ser humano normal, de carne osso e guitarra, que vomita e vai ao banheiro como todo mundo, mas Porra escreve e canta uma música fenomenal que influencia metade do planeta (a outra metade é surda e/ ou ignorante)? E, talvez, mais importante ainda: o que dizer que ele ainda não tivesse ouvido um milhão de vezes antes? E pior, considerando-se meu péssimo portinglês, sairia quanto muito um “hey, man, how are you?”.
Sentei, peguei outra revista e fiquei folheando.
Durante duas horas, ficamos folheando revistas.
O homenzinho feio acordou, levantou, olhou para o relógio, atendeu o celular, falou algo, Reed levantou, perguntou algo, foi respondido, encaminhou-se na minha direção, apertou minha mão e disse Merry Christmas. Balbuciei qualquer coisa e fiquei pensando: “Merry Christmas?!” Bom, o que eu esperava? Que começasse a recitar no meu ouvido hey baby, take a walk on the wild side ou what's your style, how you get your kicks for living?, ou (quem sabe, o mais provável) when I watch you come, baby, I just want to run far away? Eu os acompanhei até a porta, do lado de fora aguardava o táxi, não havia mais ninguém alem de mim, mas Reed não demonstrava nem surpresa nem desagrado. Antes de entrar no carro, outro Merry Christmas, e eu ainda estava tentando um Me...Me...Merr quando partiram. Nenhum empregado, nenhuma pessoa, nem mesmo meu amigo apareceram. Fechei a porta e fui embora.
Talvez eu devesse ficar feliz. Talvez devesse considerar a coisa toda como especial. Sei lá. Folheei revistas, nem lembro quais eram, e fechei a porta. The door is closed. E esta crônica.