terça-feira, junho 06, 2006

MEUS RASCUNHOS


Dóris Fleury

Creusa e Edileusa são irmãs siamesas. Creusa é boa gente, mas muito feia; Edileusa é bonita, mas invocada. Odeia a irmã. Não suporta o ronco de Creusa, à noite. Detesta as roupas que ela compra. Chama a outra de burra, estúpida, imbecil. Quando a coisa aperta, lhe dá uns pescoções. É um verdadeiro contorcionismo, mas vale a pena, pra ver a cara de dor da outra.
Todos se compadecem da pobre Creusa, obrigada a conviver com aquele monstro. Um dia chega à cidade um especialista que promete separar as duas, numa operação arriscadíssima, mas que lhe dará fama mundial. É um acontecimento. Vêm a TV, os jornais, uma verdadeira avalanche de mídia na cidadezinha onde elas moram. E não é que a operação dá certo? As duas gêmeas se separam. Edileusa vai embora, dizendo-se feliz por não precisar mais agüentar a mala-sem-alça da irmã. Creusa derrama sentidas lágrimas. Mas, se é para a felicidade da irmã, talvez seja melhor assim.
O tempo passa. Para grande surpresa de Edileusa, Creusa arranja um namorado, fica noiva e se casa, numa cerimônia bastante concorrida aliás. Edileusa morre de ódio, pois até agora não arranjou nem namorado, que dirá marido. Nem comparece ao casamento, limitando-se a mandar uma carta venenosa à irmã, onde lhe deseja toda a infelicidade do mundo.
Meses depois, Creusa fica grávida. Os meses passam. O parto se aproxima. A TV, quer anda sem assunto, entrevista a ex-siamesa, toda feliz tricotando o enxoval do seu bebê. Subitamente, Edileusa, a irmã má, reaparece na cidade. E é nesse momento que...
Gente, que 'cês acham? Fica muito manjado se a Creusa tiver siameses também?

O aquecimento global derreteu as calotas polares, e a Terra está inundada. Os seres humanos remanescentes se concentram nas terras mais altas, onde antes havia montanhas. E a água continua subindo. É preciso salvar a raça humana. Até que alguns cientistas têm uma idéia genial: desenvolver mudanças genéticas nas pessoas, para que elas possam viver e respirar debaixo d'água, como peixes. Muita gente se oferece como cobaias. Um deles é uma linda moça, que...

Uma história sobre monstros da infância. O bicho-papão que morava debaixo da minha cama. Imenso e felpudo. Faminto. Eu não botava nem o pé pra fora da cama, de medo que o papão abocanhasse. E o Homem do Saco? Temível. Andava pela vizinhança com um saco às costas, resmungando coisas sem sentido. Fugíamos dele feito o diabo da cruz. E os ciganos? Eu sei que não é politicamente correto dizer, mas eu morria de medo de cigano. O pessoal dizia que eles raptavam crianças. Eu estava convencida de que eles devoravam crianças.
Já minha irmã tinha medo de piranha. Uma piranha de verdade, que ela viu na enciclopédia, com o bocão aberto cheio de dentes afiados. Ficou apavorada. Depois disso ela fazia tudo que eu mandasse, era só ameaçar com a piranha.
E a loira da Gilette, oculta nos banheiros do colégio? Era um tal de passar vontade de fazer xixi, só pra não ir no banheiro! Nossa, como a gente passa medo quando é pequeno.
Ah! E tinha tambémo Zé do Caixão . Nunca tive medo de ninguém como do Zé do Caixão. Outro dia conheci ele pessoalmente; é um velhinho muito simpático, a filha dele é vampira. Mas naquela época, ixi! A gente se pelava de medo do Zé. Até os títulos dos filmes dele eram terroríficos: “À meia-noite encarnarei o seu cadáver”. Ele tinha um programa de TV. A mãe mandava sair da sala, pra não assustar, mas a gente continuava lá, grudado, simultaneamente apavorado e fascinado. Era um barato!
Agora imaginem só: podia pegar todos esses personagens, misturar e criar uma história só. Puta idéia legal!
Só que agora não dá pra escrever. Tenho uma apostila enorme de Direito Administrativo pra estudar. Vocês já ouviram falar de rescisão de licitações?

Pois é, gente. Estou estudando prum concurso público. Trancada em casa. Não vejo os amigos. Não vou ao cinema. Não leio. Nem TV eu vejo. E escrever, então... só groselha.
E, enquanto isso, um monte de histórias nascem, crescem, envelhecem e morrem na minha cabeça.
Inéditas, coitadas.
Pior que isso, só morrer virgem.