sexta-feira, outubro 06, 2006

27 de setembro de 2006

Mais um caso de “home-schooling”, só que esse é mais complicado. É o Matthew, filho da Vicki e do Mark. Moleque espertésimo. Enquanto os pais trabalham, ele e a Megan, filha da Rose, ficam na cozinha batendo papo com os escritores. É uma das poucas oportunidades que tenho por aqui de conversar com gente simples e despretensiosa.
- E aí, Matt, porque você foi estudar em casa?
- Well – ele começa, todo compenetrado – I’ve had a very interesting life!
Caímos na gargalhada, mas ele não se afeta, e continua a sua biografia... todos os dez anos dela! Parece que a família morava numa cidade maior, e o Matthew sentiu uma tremenda diferença quando veio pra cá. Foi separado dos avós. E entrou numa escola que positivamente odiou. A professora berrava com as crianças. As classes do terceiro ano e do quarto ano, por algum motivo (falta de professores?) foram reunidas e ficou uma tremenda confusão. O Matthew não estava aprendendo nada e se sentia muito infeliz. “It was very hard on me!”.
Como a coisa só ia de mal a pior, a mãe tirou da escola e agora está ensinando em casa.
Fiquei olhando o Matt e pensei: alguma coisa está errada. O moleque é superinteligente, articulado, tem um vocabulário acima da média. Como é possível que a escola não consiga ensinar ele? Isso não faz o menor sentido.

Detalhe que fiquei sabendo depois: a escola já pregou um rótulo no Matthew. Diz que o menino tem dislexia e “distúrbio de atenção”.

29 de setembro de 2006

Passei o último dia da Ledig House escrevendo, arrumando minhas malas e passeando com a Megan e o Matt. A Megan, quando soube que eu ia embora, disse:
- Mas é muito cedo!
- Depois chegam mais escritores, Megan.
- But you’re my favourite!
Olha que bonitinha.

A experiência aqui teve saldo positivo: estou saindo com o meu romance debaixo do braço, praticamente pronto. Sem dúvida alguma a Ledig House me deu espaço e tranqüilidade para trabalhar.

O hotel que reservei aqui em Nova York se chama Marrakesh e fica na Broadway com 103. Não é ruim não, um tantinho claustrofóbico mas de forma geral OK.

Hoje fiz dois grandes passeios: no Greenwich Village, que foi ótimo, o bairro é um tesão, e também na Columbia University. Nesse último lugar fiquei um tanto triste, me deu um bode...
Sempre lamento meus anos de universidade, que poderiam ser melhor aproveitados se eu descobrisse logo que o meu negócio era escrever. A USP é extremamente cruel com seus alunos. Jogam a molecada lá dentro, e eles que se virem. O que a burocracia da USP mais quer é se ver livre logo dos caras. “Puxa, a universidade é tão bacana! pena que tenha alunos, né?” O aluno é um empecilho, um pé no saco. Todo mundo torce pra ele pegar logo o diploma e sair correndo.
Os professores querem morrer mas não querem dar aula pra graduação.
Aqui nos EUA você sente um cuidado, uma atenção maior com o estudante, que afinal das contas é jovem e ainda está se encontrando. Tem serviço social pra acompanhar o cara; e o que é mais importante ainda, ele é orientado nas suas escolhas profissionais. E não precisa decidir nada correndo, vai fazendo as matérias que mais lhe interessarem. Tem professores para orientá-lo. Tem programas para ajudar quem quer escrever. Imagine se eu tivesse isso na minha época.
Passei os quatro anos de USP tão deprimida e confusa que nem conseguia pensar no que estava fazendo.
Começar a escrever com vinte anos, e não com 35, teria feito uma puta diferença pra mim...

O primeiro dia aqui foi legal, mas um tanto confuso, perdi muito tempo no metrô. Amanhã quero deixar meus passeios bem planejados para não perder tempo.

30 de novembro de 2006

O DW, que mora em Nova York, me disse que nos últimos anos a cidade mudou muito. A classe média se mudou pros subúrbios, porque Manhattan ficou caríssimo, impossível. Na ilha só ficaram os muito ricos e os muito pobres. Para esses últimos, o governo constrói os “projects”, conjuntos habitacionais que basicamente funcionam como depósitos de pobre. (Lá em Hudson fizeram um desses, e chamaram os pobres de Nova York pra morar. Só esqueceram de um detalhe: não tem emprego na região. Então agora os pobres ficam ganhando “social security” e fazendo porra nenhuma, parados na porta dos projects o dia todo).
Dá pra ver a mudança da população até no metrô. Tem muito mais pobre do que classe média.
O metrô de NY continua eficiente, abrangente, razoavelmente barato... e sujo, feio e fedido. Vim aqui há dez anos e já era assim, uma vergonha. Nem o de Paris é tão xexelento. As estações mais ferradas cheiram xixi que é uma coisa impressionante. Um nojo.
Pra contrabalançar o cenário decadente, tem gente cantando e tocando no metrô que é uma maravilha. Geralmente músicos pretos, ops, desculpa! é pra dizer afro-americanos, né? senão é feio, politicamente incorreto e Papai do Céu castiga.
Hoje estive em Tribeca/ Soho, depois fui pra Quinta Avenida e à noite ao cinema.
Entrei em oitocentas lojas, xeretei durante horas e não comprei quase nada. Só um batom na Body Shop e livros, claro. Ah! E um pirulito com um escorpião de verdade dentro. Verdade. É pro meu sobrinho Pedro. Garanto que ele vai adorar.
É a capital do consumo mesmo, tem de tudo: caro, barato, pra todos os gostos e bolsos. E hoje era sábado, a cidade estava cheia, você tropeçava nas pessoas. Na maior parte, pelo que deu pra ver, novaiorquinos mesmo. Claro que sempre tem turista, mas nessa época é pouco. Baixa estação.
Ah, sim, retiro o que disse sobre os novaiorquinos. Até que eles estão bonzinhos dessa vez. Bem educadinhos e tal. Assim que eu gosto. Só tem uma exceção: as meninas do Au Bom Pain.
O Au Bom Pain é uma rede de lojas tipo fast-food, só que com mais variedade. As meninas que trabalham lá tratam cada cliente, individualmente, como se ele tivesse assassinado a família delas. Impressionante. Não é só que elas te tratem mal, não. Elas te dirigem olhares de ódio real e verdadeiro. Dá até medo. Era sim há dez anos, continua assim até hoje. Vai ver é uma tradição.
Aí vocês perguntam: mas se é tão ruim, por que você continua indo lá? Resposta: é a sopa. Aí vocês perguntam de novo: a sopa é tão boa assim? Não particularmente. É que eu sou viciada em sopa. Se alguém por favor souber de outro lugar em Nova York que fizer sopa gostosa e barata, me comunique urgentemente. Assim eu fico livre do Au bon pain, nunca mais volto lá.
Ou por outra, volto sim. Pra xingar aquelas atendentes malvadas e dizer que não preciso mais da sopa delas! E plaf! (Isso fui eu batendo a porta).
Quero ver a cara delas.

1º de outubro de 2006

Hoje de manhã fui ao Cloisters, um museu maravilhoso que fica na ponta norte da ilha, lá pela rua 190. E por falar em rua 190... o meu grande problema, nessa visita a NY, é a minha maldita falta de senso de orientação.
Não adianta, sou um caso perdido. Se consigo me perder no meu bairro em São Paulo, onde moro há vinte anos, por que não me perderia aqui?
Não consigo ler mapas. Sempre que pego um mapa, me confundo com direita e esquerda. Gasto dez minutos para identificar a estação onde devo descer; mais dez para achar a estação no mapa da cidade; e daí vou e faço tudo errado do mesmo jeito.
Só hoje me dei conta do que significa “downtown” e “uptown”. O conceito de “East” e “West” continua sendo um mistério insondável pra mim.
Uso a entrada errada do metrô, e depois tenho que subir as escadas e procurar a certa.
Passo na frente de uma placa dizendo “Broadway”, com setinha e tudo, e continuo dando voltas, procurando... a maldita Broadway.
As ruas de Manhattan são numeradas em seqüência (47, 48, 49...), assim como suas principais avenidas (Quinta, Sexta, Sétima, Oitava... a única exceção é a Broadway). Só uma idiota conseguiria se perder num lugar assim. Pois bem, essa idiota sou eu.
Nessas horas, fico olhando desesperada os meus mapas no meio da rua. Bons samaritanos me abordam e perguntam, caridosamente, se preciso de informação. Deus os abençoe! Eles me informam, eu entendo tudo, e cinco minutos depois estou perdida de novo.
Talvez eu deva adotar um cão guia, como os cegos.

Tomei dez minutos de chuva porque passei impávida pela entrada do parque onde fica o Cloisters. O museu é num lugar deserto de Manhattan; ou melhor, num lugar que era deserto na época em que a instituição foi fundada, com a grana dos Rockfeller.
Coisa louquíssima: eles construíram uma espécie de castelo medieval moderno, salpicando um pórtico românico aqui, uma capela gótica ali, o túmulo de um nobre mais acolá... todas as coisas que os milionários americanos compraram na Europa, na época em que arte era barata e os europeus, uns tontos que vendiam seus tesouros a preço de banana. Hoje já não é mais assim. Tem processo correndo, tem gente querendo de volta o que foi vendido. É uma longa discussão. Os americanos dizem que essas preciosidades estão melhor guardadas com eles.
Pode até ser. Mas depois do que eles fizeram com o museu de Bagdá, a moral deles ficou um pouco abalada nesse setor... né não?
O Cloisters é muito bonito e tem curiosidades como um jardim com plantas medicinais, ornamentais etc, que eram cultivadas na Idade Média e aparecem nas tapeçarias do acervo. Bem legal.

À tarde fui pra Little Italy - aquele lugar cheio de restaurantes onde os gangsters comiam um espaguete de primeira, e às vezes levavam uns tiros de sobremesa.
Mas hoje, todo esse aspecto típico e pitoresco desapareceu. No lugar dos italianos entrou outro povo típico e pitoresco, que são os chineses, vendendo relógio roupa bolsa comida típica erva medicinal MP3 player perfume aparelho de som... é tanta coisa, dentro e fora das lojas, que você fica tonta. No domingo então, fica lotado de gente e aí é um horror. Encontrão pra cá, bolsada pra lá, pisam no seu pé... Todo mundo nervoso, querendo levar pechincha pra casa de qualquer jeito. Calma gente, tem pra todos!

Nova York é uma esquina do mundo, tipo Paris e Londres. Tem gente de todas as nacionalidades e etnias possíveis, mas a língua mais falada na cidade hoje é o espanhol. Seguido de perto por um tal de inglês, já ouviram falar?

Hoje tinha um rato no metrô. AI QUE NOJO. Irc.
Também, com aquela sujeirada toda...

5 de outubro de 2006

Saiu uma matéria no New York Times que eu tenho de comentar, porque é hilária!
A Vigilância Sanitária da cidade está querendo instituir novas leis para os restaurantes. Já se sabia que o fumo, ali, seria definitivamente proibido; e que as gorduras “trans” iriam pelo mesmo caminho. Mas existem mais idéias chegando por aí, e podem virar lei...
Pra começo de conversa: vamos combater a epidemia de obesidade. Os novaiorquinos estão ficando gordos! Por isso, os blintze (pãezinhos que vêm de graça, acompanhando o menu) serão reduzidos a dois por cliente. E fim de papo, não pode pedir mais.
Mas a obesidade não é o único problema que preocupa esses dedicados funcionários. Tem também a história do engasgamento. Nunca entendi porque, deve ser uma fixação oral; mas os americanos vivem preocupados com a possibilidade de engasgarem com a sua comida e morrerem sufocados. É uma obsessão nacional. Aí estão bolando uma idéia assim: os garçons, depois de servirem a comida, ficarão observando os clientes pra ver se eles cortam a comida em pedaços pequenos e mastigam direitinho. De relógio na mão, o garçom verificará se o cliente mastiga sua comida em no mínimo doze segundos. Inventaram até um nome bonitinho pra isso: é a PMI, Proper Mastication Initiative.
Outra: álcool faz mal pra saúde, todo mundo sabe. A idéia é limitar o consumo a duas doses por refeição. E chega!
Café, todo mundo sabe, dá insônia. Por isso, depois das dez da noite, os restaurantes novaiorquinos só serviriam o descafeinado.
E antes que vocês morram de rir e se sintam superiores aos americanos bobocas, lembrem-se: nós vivemos copiando as idéias deles. Cuidado, senão dia desses não poderemos mais comer uma chuleta sossegados, sem um garçom de plantão atrás da gente. Eu não duvido nada.

Pra mim, em Nova York, a diversão acabou quando chegou a hora das compras.
Não me entendam mal. Como todo mundo, adoro fazer compras. Adoro voltar pra casa com as sacolas cheias de coisas legais e diferentes, que não existem no Brasil - ou que até existem, mas aqui são muito mais baratas.
Não ligo pra roupa; adoro bugigangas eletrônicas, perfumes, CDs e livros, muitos livros!
Mas fazer compras em Nova York dessa vez foi uma tortura. Começou com um problema religioso: na segunda-feira era Yom Kippur, o principal feriado judaico. Tinha exatamente duas lojas abertas na Oitava Avenida, que é o melhor lugar pra comprar eletrônicos. Se eu soubesse disso, nem tinha ido pra lá naquele dia.
E sempre vem um brasileiro te contar que viu uma oferta fantástica numa loja que hoje, infelizmente, não está funcionando!
Eu poderia voltar no dia seguinte. Mas aí já seriam duas manhãs consecutivas vagando feito alma penada na avenida. Procurei eletrônicos em outros lugares, não achei nada que prestasse. No começo da tarde meus pés estavam me matando e aí pensei: compro tudo hoje mesmo nas lojas goy. Dane-se. Não vou ficar dois dias seguidos nessa situação.
Mas depois que tomei essa resolução, ainda sobrou um probleminha. Sou muito indecisa e demoro horas pra me decidir entre o modelo A e o modelo B. E coitada de mim, se surgir um modelo C!
Isso vale também para os perfumes, que são uma verdadeira tara pra mim. Deus criou os perfumes pra enlouquecer a Dóris. Aí eu entro na Sephofora, que é uma rede francesa de lojas de cosméticos que se instalou com tudo em NY. Entro e experimento todos, mas eu disse todos os perfumes femininos da loja. Se bobear, também uns masculinos.
Tenho até pena das pessoas que se aproximam de mim depois disso. Devo feder gloriosamente. E, é claro, não consigo me decidir por nenhum produto.
No último dia, a poucas horas de pegar o avião, resolvi ser dura comigo mesma. Olhei pro relógio e pensei: vou me dar exatamente meia hora pra escolher dois perfumes, e pronto. E cumpri o prazo!
O resultado é que estou até hoje olhando para dois perfumes e suspirando por um terceiro, que ficou lá na loja.
Livros: também saí da história me achando uma besta. Livro aqui é muito mais barato do que no Brasil, é impressionante. Mas me segurei pra não comprar tudo que via, porque depois teria que mandar pelo correio e tinha medo que ficasse muito caro (carregar no avião é excesso de bagagem na certa).
Aí na terça-feira de manhã descubro que, se você pode mandar um monte de livros pelo correio gastando uma merreca, tipo doze dólares. Me senti uma imbecil, mas já era tarde demais.
Ou seja... por mais cálculos que você faça, sempre sai frustrada. E é claro que, enquanto está pensando e calculando e negociando seus desejos, não passeia.
No meio do dia você está exausta, querendo sentar, descansar, comer, ir ao banheiro... e quem diz que tem lugar pra tudo isso? Pra comer tem as delis, com um monte de comida deliciosa; mas a maioria sem mesas para o cliente sentar, porque deli é mais supermercado do que restaurante. E os restaurantes propriamente ditos são caros. O Central Park está longe, você está cansada demais pra andar... e além disso, não gosto de almoçar com esquilos e sem-teto olhando minha comida.
Embora ainda prefira os esquilos às moças do Au Bon Pain.

Sair do hotel foi uma epopéia. Eu sempre faço malas grandes demais. Eu sempre uso no máximo a metade do que botei lá dentro. E, na volta, sempre tenho que comprar outra mala vagabunda, só pra acomodar o excesso.
- Ten dollar, lady, ten dollar! – apregoava o moleque na calçada de Chinatown, mostrando uma malinha barata dessas com rodinhas.
- Com o carrinho e tudo, ten dollar?
- Ten dollar, lady, ten dollar!
O moleque chinês não devia ter nem dezoito anos, e tudo que ele sabia falar em inglês era “ten dollar”. Eu tinha acabado de comer um cheesecake e estava de bem com a vida. Comprei. Quando cheguei em casa, percebi que o fecho da danada era precário. E daí que era ten dollar? Bela porcaria.
Na tarde de terça-feira, 3 de outubro, saí do hotel levando uma mala azul imensa, enorme, assombrosa, com a qual sempre viajo, e que no final da viagem estou sempre odiando. E mais a ten dollar xadrezinha onde só botei roupa, rezando pra que não me acontecesse nenhum acidente ridículo e as pessoas na rua ficassem sabendo exatamente que tipo de pijama gosto de usar.
As duas malas tinham rodinhas. Bela porcaria. Algumas coisas na vida são superestimadas, e aí está mais uma: as rodinhas.
Tive que fazer três baldeações de metrô até chegar ao aeroporto, arrastando minhas malas. Dava pra ver pela cara das pessoas que elas estavam morrendo de pena.

E aí no aeroporto você começa a pensar.
Bem que eu podia ter visto de novo a Frick Collection.
Ou o MOMA que eu não conheço.
Bem que eu podia ter assistido uma peça de teatro na Broadway.
Bem que eu podia ter ido ao Harlem ouvir um coro de igreja.
Ou passeado um pouco mais pelo Central Park.
Ou tomado um brunch de verdade na manhã de domingo.
Ou isso... ou aquilo...
Vai saber quando vou ter grana pra voltar.
E esqueci daquele passeio às margens do rio!
Mas aí é tarde demais, porque a aeromoça está pedindo pra apertar os cintos, os motores estão roncando, o avião taxiando pela pista. Ou seja: acabou-se o que era doce. Talvez as experiências boas da vida, sejam exatamente aquelas que te deixam querendo mais.
E mais. E mais.

Nova York é a grande cidade em todo seu esplendor, a Babilônia de luzes faiscantes, a Meca para onde vem gente de todos os lugares do mundo, querendo fazer sucesso ou simplesmente sobreviver.
O resto da América detesta Nova York. Chamam de “Liberalville”.
No mundo inteiro, fundamentalistas de todas as religiões odeiam a Grande Maçã. Como deu para ver recentemente.
Vão por mim: alguma coisa de bom essa cidade deve ter.