terça-feira, abril 11, 2006

A MOÇA QUE NÃO CHOROU


Dóris Fleury


Hoje é segunda-feira e meu computador quebrou. Tive que apelar pro escritório do maridão. Estou aqui, sentada no meio de um monte de analistas de sistemas, rezando pra eles não precisarem do PC. Porque eu preciso, né.
Uma catástrofe desse tipo pode ser enfrentada de duas formas: caindo em profundo desespero, pensando na newsletter que tenho de mandar amanhã, etc; ou filosofando. Hoje me sinto filosófica. Vamos filosofar.
‘Cês viram a entrevista da Suzane von Richthofen na televisão? (depois dou uma olhadinha na UOL pra ver se o nome dela é assim mesmo). Tá mal de advogado a moça. O cara foi pego em flagrante instruindo a mocinha a chorar. “Ô Suzane, vê se dá uma choradinha aí pro Fantástico”, instruiu o causídico (adoro essa palavra. A-do-ro!). E a Suzane bem que tentou, mas foi um fracasso. Nem um pingo. Nada. A indignação foi geral. Matou os pais, a vaca, e nem chora? Isso, mais a notícia de que ela quer tirar os bens do irmão, aumentou a indignação do povo. Faltam crucificar a mulher. Eu mesmo, se encontrar na rua, sou capaz de dar umas porradas.
Agora, passada a indignação, comecei a pensar. Peraí... mas isso não é estranho? Todo mundo ficou furioso porque a Suzane não chorou. E se ela chorasse de verdade? Se derramasse uma torrente de lágrimas em frente às câmeras? Tudo bem? Tudo legal? Olhaí, pobrezinha da moça, já se arrependeu?
Suzane! Parece até que você não mora no Brasil, né? Por que não tomou umas aulinhas de arte dramática, ou no mínimo descascou umas cebolas antes da reportagem chegar? Pô, mas tu é muito incompetente, mulher. Conseguiu foi voltar pra cana.
Se a Suzane caísse em prantos no Fantástico, não digo que seria absolvida, mas poderia pegar uma pena mais leve... Brasileiro adora umas lágrimas. Somos um país de tradição católica: chorou, se arrependeu, pronto, fica tudo legal.
E antes que vocês comecem a me acusar de cínica, respondam: alguém aí, homens e mulheres incluídos, nunca chorou de mentirinha, só pra convencer o público, fazer uma chantagem sentimental, ou simplesmente porque estava de TPM?
Vejam o meu caso. Desde pequena reparei que essa história de chorar era um bom negócio. De nós dois, eu e meu irmão, o mais chorão sempre foi ele. Qualquer coisinha, abria o berreiro. E minha mãe morria de pena. “Tadinho, tá chorando, o que você fez com ele?” (Bati, oras. Grande coisa.)
No colégio eu tinha uma colega cínica, safada, que sempre que levava nota ruim (o que era freqüente), abria o berreiro na frente do professor responsável. Com mulher não colava muito, mas com homem era infalível. De qualquer jeito, valia a tentativa.
Nas novelas, minha mãe apreciava sobremaneira aqueles atores e atrizes que derramavam cascatas de lágrimas no momento requerido. “Vejam como ele chora bem”, murmurava minha genitora. “Isso sim que é ator!”
E nem vou falar do namorado que eu perdi para a ex (dele) que sabia chorar na hora certa. Até hoje estou com ódio da menina. Que golpe sujo. Como dizia o meu pai:
- Vou te dar um bom motivo pra chorar, já, já!
Alguns políticos, então, parecem possuir glândulas lacrimais treinadas. Gente, é espantoso. Bastou ser acusado de corrupção, que o cidadão saca o lencinho e chora. Fala da sua moral impecável, vida pública ilibada e da família que sofre com as acusações (principalmente os que estão empregados no seu gabinete). Depois de derramar algumas lágrimas, a coisa sempre melhora pro “ilibado”. É tiro e queda. O povo se comove.
Viu só, Suzane? E você, sua ingênua, até agora não aprendeu. Programas como o Fantástico adoram um chororô. Eles ficam esperando, com a câmara em cima do entrevistado, o repórter de microfone em riste. Fazem perguntas dramáticas e deixam correr aqueles silêncios psicanalíticos que as pessoas se sentem compelidas a preencher. O entrevistado cumpre a expectativa geral e abre a torneirinha. Até porque, convenhamos: a vida tem coisas que só chorando. Eu mesmo, nesse exato instante, posso pensar num monte de coisas tristes que já me aconteceu e chorar.
Mas tem uma coisa. Se algum dia assassinar alguém, e o Fantástico vier me entrevistar, estou ferrada igualzinha à Suzane. Sozinha, choro baldes. Em público, é um custo. Morro de vergonha. Vou no enterro da pessoa mais querida e fico lá, de olho seco. As pessoas devem me achar insensível. Mas não é isso. Acho que absorvi tudo que falavam pro meu irmão:
- Que é isso, Eduardo? Onde já se viu, um menino do seu tamanho chorando? Que vergonha!
Não adiantou nada, ele até hoje é o maior chorão. Eu, em compensação, morro de vergonha. Esquisito, né? Vou filosofar mais um pouco sobre o assunto, que já já vão precisar do meu PC.