terça-feira, agosto 22, 2006

BAÚ DE ANTIGUIDADES

Dóris Fleury

Não sei se vocês sabem, mas sou uma pessoa tecnologicamente desafiada. Só agora, depois de muita hesitação, aderi ao MP3. Meu marido instalou no Linux um tocador e um software que pesca músicas na Internet. O software é bárbaro, o tocador nem tanto. Mesmo assim estou me divertindo pra burro, perdendo tempo em que podia estar escrevendo e lembrando momentos do passado que olha... só a música pra desenterrar.
A gente nasce, cresce, namora, trabalha e envelhece com fundo musical. Nossas melhores lembranças sempre vêm embaladas por guitarras, violões, pianos, baterias... Ainda mais na era da música de massa, que o tal do MP3 só vai intensificar. As gravadoras irão à falência, alertam os entendidos. Pois vai ser bem feito, pra elas pararem de despejar lixo em cima da gente, do breganejo ao pagode. Claro, dá uma pontada de remorso quando penso no artista que deixa de ganhar grana... Mas tenho uma certa moral pra falar isso.
Se você está lendo essa coluna, é porque acessou gratuitamente um site onde exponho um produto que me custou tempo e trabalho. E aliás, se está gostando da brincadeira, entre em www.escrevinhadora.com.br, meu site de ficção, e leia outros textos. De graça.
Mas deixando de conversa séria. Não entrei no MP3 para ouvir as últimas novidades da música de vanguarda. Longe disso. Em vez disso, estou zapeando a Internet em busca de músicas da época em que eu era garota (faz muuuuito tempo). Todo dia encontro umas preciosidades que já tinha esquecido. Vejam só a lista do meu tocador:

Staying Alive (Bee Gees) - Podem rir de mim, eu não me importo. Também usei aquelas meinhas de lurex brilhantes e fui rebolar em discotecas. Assisti Os Embalos de Sábado à Noite. Três vezes! Não me sinto orgulhosa disso. Minha única justificativa é que todo mundo fazia a mesma coisa. E a trilha sonora do filme era ótima para dançar.
Tá bom, eu confesso: até hoje acho o John Travolta um gato.

Maybe this time - da trilha sonora de Cabaret (Liza Minelli) - Cara, vocês não sabem. Puuuta cantora. Maravilhosa. Um vozeirão embalando uma fragilidade, uma vulnerabilidade... Essa aqui é de chorar. Emoção genuína.
Talento não nasce em árvore, por que as pessoas jogam fora desse jeito?

Blue Jeans (David Bowie) - Essa é um pouquinho mais recente, 84, 85, por aí. Me lembra meu cunhado, o disco era dele. O Jacques adorava David Bowie, rock, livros, Matemática. Foi embora muito cedo. Dá nó na garganta até hoje.

Sweet Painted Lady (Elton John) - Pra vocês terem idéia de como sou antiga. Essa música foi lançada em 72, por aí. Ninguém desconfiava que o Elton John era gay. Nem ele, rá rá! que levou um tempão pra sair do armário. Eu tinha uns dez anos e achava linda. Ainda acho. A sweet painted lady é uma puta.

I love a man in an uniform (Gang of Four) - Época de faculdade. Eu tinha uns chapinhas (um deles depois virou marido), que me mostraram essa música. A banda britânica é muito legal, eles estiveram outro dia no Brasil. Esses caras e gente como o Clash (the only rock'n´roll band that matters) são a cara da minha geração. Mostram que é possível ser politizado sem ser chato.

Dark Horse (George Harrison) - Gente. Que merda viver num mundo onde só tem dois Beatles vivos!

For once in my life (Gladys Knight and The Pips) - Essa eu garanto que ninguém nunca ouviu falar. Uma cantora da Motown. Pega esse sucesso do Stevie Wonder, musiquinha banal, e estraçalha. Eu tinha uns dez anos, era tema da novela Carinhoso. A mocinha era a Regina Duarte e o galã era o Marcos Paulo! O Marcos Paulo era gato! A novela era em preto-e-branco! Alguém me traz uma cadeira de balanço e uma bengala, por favor...

I will survive (Gloria Gaynor) – Ouvi pela primeira vez no verão de 79, voltando da praia. Sucesso do finzinho da era das discotecas que virou hino gay. Quero ver quem consegue ficar parado!

With a little help from my friends (Joe Cocker) - A cara da geração antes da minha. Não leiam volumes sobre a década de 70: ouçam essa música. Nessa interpretação.

You are my everything (Diana Ross e Marvin Gaye) - Sem palavras, gente. Sem palavras. Tenho outra vez onze anos e estou no Colégio São José, em Bauru. Fora os livros, a única saída da mediocridade são vozes como essas. Esse pessoal me salvou a vida.

Sitting on the dock of the bay (Otis Redding) - Eu tinha uns cinco, seis anos, e ouvia no rádio da empregada. Não entendia uma palavra de ingles. Não sabia porque aquela música, aquela voz, me deixavam tão triste. Hoje eu sei:

Sitting here resting my bones
and this loneliness won't leave me alone.
Two thousand miles I roamed
just to make this dock my home...


Pois é, gente. Fico aqui ouvindo essas músicas, o tempo vai passando, o trabalho fica por fazer... o MP3 é pior que a madeleine de Proust. E olha que ele escreveu um livro de sete volumes.
Melhor eu parar por aqui.