quarta-feira, junho 28, 2006

GENTE QUE FAZ

Perfis de jovens executivos


Vera Picuinha foi contratada por uma grande empresa para ser fofoqueira trainee. Mas com seu talento e esforço, logo foi efetivada no cargo.
Vera não se contenta em espalhar um boato qualquer pelos corredores. Faz questão de documentar a história, também. Por exemplo, se ela diz que o diretor X está de caso com a secretária Y, seus colegas podem esperar a exibição exclusiva de um vídeo com o casal se divertindo no motel. Colocar câmaras escondidas em qualquer lugar não é nenhum desafio para Vera. Nem câmaras nem outros equipamentos, aliás, pois ela trabalha com tecnologia de ponta. Para narrar a briga entre executivos, não poupa esforços: a empresa toda tem acesso, via Internet, ao áudio da reunião onde os dois chegaram aos socos. Até demonstrações em Power Point a Vera já fez, para provar aos seus colegas que a empresa estava preparando um grande corte. Também foi a primeira a divulgar com exclusividade a lista dos demitidos no seu blog pessoal, que todos acessam na empresa, do faxineiro ao presidente.
Os chefes de Vera estão muito orgulhosos dela. E já avisaram que, em breve, terá um aumento e uma promoção. Ah! E também um escritório com vista para a Berrini.

Bia Ronalda tem o poder de viajar no tempo. Isso, como vocês podem imaginar, é muito prático no dia-a-dia de uma mulher moderna. Por exemplo: suponhamos que Bia tenha saído de casa com uma roupa leve. Aí, de tarde, chega uma frente fria. Nada mais fácil: Bia volta para a manhã e pega um casaco, antes de sair de casa. Depois, vive o dia inteiro outra vez, aproveitando para corrigir alguns erros no relatório que entregou à tarde para o chefe.
Bia também volta no tempo quando esquece de comprar alguma coisa no supermercado, o aniversário da irmã, ou o horário da depilação. Mas não pensem que ela utiliza as viagens no tempo apenas para resolver probleminhas triviais. Uma vez já voltou dois anos da sua vida, apenas para evitar o encontro com um cara. Foi só dizer à amiga que a convidara para a festa, naquela noite, que estava meio cansada. E depois, tudo bem. Livrou-se daquele galinha que lhe infernizou a vida.
Pena que, às vezes, sinta saudade desse namorado que nunca teve...
O único problema com o vai-e-volta é que Bia, vivendo tantas coisas pela segunda vez, acabou criando rugas precoces. Está pensando em fazer botox, inclusive.

Alice Sudorese é uma dedicada cientista que trabalha numa multinacional farmacêutica. A multinacional encarregou-a de criar, a partir de certos ferormônios, um perfume feminino irresistível para o sexo oposto. Alice se desincumbe da tarefa com a competência habitual. No final do expediente, orgulhosa, já imagina o momento de apresentar aos seus chefes o novo produto. Antes de sair do laboratório, coloca um pouco do perfume atrás das orelhas, pensando em agradar seu namorado, Rick Benzedrina, com quem tem um encontro hoje à noite.
No caminho para casa, Alice nota que está sendo seguida por uma multidão de cachorros. Onde Alice passa, os totós vão atrás, farejando-a, pulando nela, insistindo em lambê-la. Nervosa, sem entender o que se passa, ela corre para uma rua deserta.
Péssima idéia. Na rua escura, Alice é atacada e estuprada por um gigantesco cão dinamarquês.
Depois de internar sua funcionária, a fabricante de cosméticos faz uma investigação interna para descobrir o que houve. Aparentemente, certos ferormônios que deveriam ter sido enviados para a divisão veterinária acabaram, por engano, sendo entregues no laboratório de Alice. Esta, inadvertidamente, fabricou um irresistível afrodisíaco capaz de enlouquecer cães em geral e uma espécie de hiena da África subsaariana em particular. Esse último detalhe só foi descoberto depois que a multinacional colocou no mercado o perfume, direcionando-o para o mercado de zoófilos. Uma zoófila que viajou pela região africana acima mencionada escreveu uma carta agradecendo, extasiada, a fabricante do perfume Mon chiot, que lhe proporcionou momentos eróticos inesquecíveis com uma matilha de adoráveis comedores de carniça.
Quanto à Alice Sudorese, a multinacional reconheceu seu sacrifício pela ciência. Ela foi promovida e recebeu um enorme aumento de salário, sob a condição de nunca contar sua história nem à imprensa nem à polícia. Hoje trabalha na divisão de talcos antissépticos. Lá, tenta esquecer o namorado Rick, que recusou-se a se livrar dos seus cachorros para casar com Alice.


Terêncio Graveto é corretor imobiliário e cleptomaníaco. Já tentou fazer terapia para se livrar do seu problema (a cleptomania), mas acabou roubando o consultório do psicólogo. Este, indignado, cortou relações com o paciente.
Sem tratamento nem medicação, Terêncio foi ficando cada vez pior. Hoje está em pleno surto. Já roubou três apartamentos, duas casas e um galpão na Barra Funda. Basta encarregar Terêncio de vender ou alugar alguma coisa, que é batata: na próxima visita, os proprietários do imóvel se deparam com um terreno vazio. O rapaz inventa desculpas esfarrapadas, como ciclones ou furacões. Claro que não cola. A cada dia que se passa, a desconfiança da chefia aumenta. Pobre Terêncio, não faz de propósito, né? afinal ele é doente. Angustiado com a perspectiva de perder o emprego, volta a procurar o terapeuta – aquele mesmo, de quem roubou o consultório. O infeliz profissional agora atende numa banquinha na calçada. Mas nunca se sabe. Talvez sinta pena de Terêncio e o ajude, antes que descubram o último roubo do rapaz – uma quitinete com excelente localização, próxima ao metrô e em estado de nova.