terça-feira, janeiro 30, 2007

BANDEIRA ZERO: HISTÓRIAS DE TAXISTAS PAULISTANOS


Dóris Fleury

Entro no táxi já atrasada para um compromisso. O taxista, senhor de uns sessenta anos, dirige calado durante alguns minutos, e depois desembesta:
- A senhora acredita em espiritismo?
E essa agora! Se eu acredito em espiritismo? Às oito horas da manhã?
- Eu, hum... pra falar a verdade, não.
- Pois eu acredito. Veja bem: hoje eu sonhei a noite inteira com a minha ex-esposa.
- Viva?
- Muito viva, mora em Fortaleza. Aí, acordo, entro no táxi e a primeira passageira que entra é a senhora!
- Mas...
- Com um perfume igualzinho ao da minha ex-esposa!
Minha Nossa Senhora. Seria cantada? Mas não, o homem falava sério. Estava impressionado com a coincidência:
- Preciso ir no Centro Espírita. Hoje à noite sem falta!
- Não seria melhor procurar sua ex? Quem sabe ela também não pensou no senhor!
- É... pode até ser, a gente ficou junto quarenta anos. Mas hoje em dia ela está casada com outro - diz o taxista.
- E o senhor?
- Nunca mais me casei - confessa ele, suspirando.
Coitado do homem. Se eu soubesse, botava outro perfume.
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- Moço, preciso ir pra Perdizes. Rápido!
- Sinto muito, minha senhora. Pra Perdizes não vai dar.
- Como assim, não vai dar?
- É que, sabe, comecei há pouco tempo na praça. E até agora, só aprendi a ir a Pirituba.
- Mas...
- Pirituba serve pra senhora?
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Esse táxi quem pegou foi meu marido. O motorista era japonês e dirigia feito um maluco, com a cara praticamente enterrada no volante. Enquanto isso ia conversando. Falou da vida, do trânsito da cidade, etc, e uma hora confessou pro meu marido (a essa altura, pálido de medo):
- O médico lá do Detran farou que eu não posso dirigir, nô? porque sou cego de um olho e com o outro não enxergo quase nada! mas eu dirijo mesmo assim, viu?
E deu uma risadinha sinistra.
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Mas nem só de passagens engraçadas vivem os taxistas de São Paulo. Paulistanos da gema - não importa se nascidos aqui, no Nordeste, ou em Trás-os-montes - eles estão sujeitos a todos as misérias e horrores da metrópole. Como o caso daquela taxista, arrimo de família, honestíssima, que depois de dar duro o mês inteiro vinha com a féria da cooperativa no carro. Por mero acaso, passou em frente a um bingo enorme, desses que parecem nave espacial, cheios de luzes piscantes.
Nunca tinha entrado num daqueles estabelecimentos. Não jogava nem canastra. Naquele dia, deu a louca de entrar.
Quinze minutos depois, tinha gasto o dinheiro todo.
Está pagando até hoje, com sangue, suor e lágrimas. E o pior é que nem sabe explicar o que aconteceu.
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- Vou na rua Tal.
- Ah, não sei onde fica isso...
- Vamos consultar o Guia, então!
- Não vai dar.
- Por quê?
- Tá no porta-malas.
Essa cena é tiro e queda. Todos eles têm o Guia de São Paulo. E todos eles, por algum motivo misterioso, o guardam no porta-malas.
Há uns dez anos, todos eles votavam no Maluf. E adoravam o Jânio Quadros. Vinham o caminho todo louvando as figuras. Quando eu lembrava que esses políticos sofriam acusações de corrupção, eles davam de ombros. Um deles me disse, singelamente:
- É claro que político rouba. Todos roubam. Quer saber de uma coisa? Se eu fosse eles, também roubava!
E as teorias de conspiração? Taxista adora conspiração. Na época da morte do Tancredo Neves, fizeram a festa. Tinham certeza que o presidente tinha morrido vítima de um complô sinistro, e não da prosaica incompetência dos médicos de Brasília.
Essas teorias tinham ramificações e envolviam, inclusive, a conhecida repórter da TV Globo, Glória Maria. Ela fora testemunha do complô sinistro, e para não denunciar a história, fora raptada, assassinada, chantageada, drogada, um troço assim. Como me afirmava um taxista português:
- Tanto é verdade, que a senhora notou que ela sumiu? Nunca mais vimos a Glória Maria na TV! Deve ter ficado decepcionadíssimo quando a moça reapareceu.
Quando não estão falando de política, falam de assalto. A maior parte da categoria já foi assaltada. E assalto que eu falo é daqueles feios, com míni-seqüestro, ameaça de morte, horas com o cano do revólver encostado na cabeça. Todos conhecem algum caso de colega assassinado por um bandido dedo-mole - do tipo que gosta de atirar depois que a vítima já se rendeu. Por isso, taxistas gostam daqueles políticos que propõem o remédio infalível:
- Pena de morte nesses vagabundos!
Mas no fundo são boa gente, os taxistas. Um tanto piradinhos, mas você não ficaria pirado depois de enfrentar o trânsito dessa cidade por oito, dez, doze horas por dia? Eles também, puxa. A pessoa se estressa. Briga com todo mundo. É um problema.
E depois, quando volta pra casa, só ficou um vidro vazio de perfume.