terça-feira, outubro 24, 2006

GIRL POWER


Dóris Fleury

Gente, vocês viram O diabo veste Prada? Vão ver! Não percam!
Antes de mais nada, é um filme sobre moda, e os modelitos das atrizes são divinos! Mas por baixo da superfície glamurosa e do final açucarado (o livro é bem mais incisivo), tem uma discussão interessante ali.
Pra quem não viu, a história é a seguinte: garota inteligente e idealista, recém-saída da universidade, vai trabalhar como assistente de Miranda Priestly (Meryl Streep, como sempre fantástica) uma editora de moda de Nova York. A mulher é poderosíssima, e ao que tudo indica, existe mesmo: foi baseada em Anna Wintour, editora da Vogue americana. Os estilistas fazem desfiles só pra ela, e, se ela não gostar, reformulam tudo. Dá até pena dos coitados.
O pessoal que trabalha pra Ms. Priestly tem pavor dela, e se mata pra atender seus mínimos desejos. Ela já entra no escritório, de manhã, disparando um monte de ordens ao mesmo tempo, desde aquelas relacionadas ao trabalho até caprichos pessoais. Um dos pontos altos do filme é quando ela manda a heroína atrás do último volume de Harry Potter para suas filhas - antes mesmo que chegue às livrarias! Humilha as pessoas em público, é falsa, mau-caráter, e exige que a pobre assistente fique de plantão no celular 24 horas por dia, sete dias por semana, atendendo aos pedidos mais absurdos.
Me identifiquei muito com o filme. Eu já tive uma chefe assim...
Quem acha que as mulheres no poder são mais boazinhas e democráticas do que os homens, obviamente nunca trabalhou com essa jornalista. (Nem com a Margareth Thatcher). Não vou usar meias-palavras: a mulher era uma vaca. Horrível. Se não tinha poder para mandar as pessoas buscarem seu poodle no veterinário, em compensação tratava supermal os subordinados, de pura crueldade. Um dia, olhou pra barriga de uma amiga minha e disse: “Sabe, se você não estivesse grávida, ia pra rua agora”. A menina é uma das melhores repórteres que já vi. Grande texto. E era precisamente isso que a secretária de redação odiava em minha amiga: o talento. Porque ela não tinha nenhum.
Todo mundo morria de medo da criatura, não porque ela demitisse pessoas, mas porque as humilhava publicamente. Apelidada na redação de Maga Patalogika, tinha um jeito de olhar por debaixo da franjinha que fazia você se sentir no Pólo Norte... Pessoas talentosas e inteligentes viravam ratinhos amedrontados, debaixo daquele olhar glacial, e do tom de voz cheio de desprezo. E, com tudo isso, não sabia escrever, não sabia dirigir um jornal, não sabia bolar uma pauta, nada. Era um monumento de incompetência. Sua única habilidade era intrigar e manipular.
A cada dia a sua burrice e prepotência ficavam mais óbvias. Era caso de demissão mesmo. Mas naquela época o chefe de redação era: primeiro, um dos maiores jornalistas do Brasil; segundo, uma das pessoas mais íntegras que já conheci; terceiro, uma verdadeira mula. Teimoso no úrtimo. Cometera um erro grave contratando a mulher, e não queria dar o braço a torcer... Mas estando ali, pelo menos contrabalançava a megera.
Eu trabalhava como repórter e ela engavetava sistematicamente todas as minhas matérias. Não tive dúvidas, fui reclamar com o chefe de redação. Me lembro como se fosse hoje: o cara franziu a testa, foi até a escrivaninha da bruxa, arrastando a perna (que SAUDADES eu sinto dele, gente!) e pediu pra ver as minhas reportagens engavetadas. Leu uma, leu outra, depois encarou a monstra e perguntou: “Por que você fica pagando frila para fazer matérias, quando a gente tem coisa muito melhor na redação?” A partir daí, nunca mais tive problemas com essa mulher.
Nota ao pé da página: claro que a autoridade feminina sempre desperta mais raiva. Um chefe que se comportasse da mesma maneira que a Meryl Streep, no filme, não chamaria a atenção de ninguém. É normal. Mas a mulher, todos esperam que seja boazinha e compreensiva.
E agora vou contar outra história. A história do melhor chefe que já tive na vida.
Ele dirigia a editoria mais bacana do jornal. Produzia as melhores reportagens e o caderno mais coerente, mesmo com escassos recursos materiais. Era justo e compreensivo com as dificuldades dos seus subordinados. Não pedia a mesma dedicação de uma garota solteira de vinte anos e de uma atarefada mãe de três filhos. Dava condições para as duas trabalharem e SEMPRE conseguia o melhor das pessoas. Era exigente sem ser chato. Ensinava jornalismo com prazer, e adorava repartir o que sabia. Conversava muito. Pedia opiniões. Assumia responsabilidade pelos erros que eram seus, enquanto editor, e não jogava a culpa nos subordinados, como virou moda fazer hoje em dia, nas redações. Nunca perdia a calma. Ouvia sempre os dois lados. Dava aulas de ética e de profissionalismo on the job. Era adorado por todos que tiveram a felicidade de trabalhar e crescer com ele.
Ah, só um errinho meu! Esqueci de dizer. Contei essa última história no gênero errado. Esse chefe era mulher.

Moral da história? Bom... acho que nem precisa explicar, né? Girl power é isso aí. É poder como outro qualquer. Pode ser muito bom. Pode ser um horror.
Mesmo que vista Prada.