terça-feira, agosto 01, 2006

OH LlNDA IMAGEM DE MULHER QUE ME SEDUZ...


Dóris Fleury

Domingo à noite, maior chuva, maior frio, zero de coragem pra sair. Aqui em casa, ficamos na velha dupla TV & Sofá. No canal da TV paga Warner, passava um seriado chamado The L Word. 'Cês já viram? É uma história de lésbicas californianas que não fazem nada na vida, só passeiam de um lado pro outro, enchem a cara, fofocam e namoram. Assim que desliguei a televisão, meu marido decretou:

- Olha. Não é machismo da minha parte não. Mas achei esse seriado muito ruim! Ô roteiro fraquinho! Não acontece nada...

E o pior é que ele tinha razão, o seriado estava chato. Piorou desde a última temporada. Claro que sempre tem uma pegação das meninas pra esquentar o clima. Mas acaba caindo nos clichês do sexo heterossexual na telinha, ou seja: respiração ofegante, corpos suados, e muitas caras e bocas para a câmera.

No L World, todas as personagens são lindas. Sejamos sinceras: se a Jeniffer Beals me passasse uma cantada, eu repensaria seriamente minha opção sexual! Sejamos politicamente incorretas: cadê as lésbicas feias e caídas? Não aparece nenhuma! É a Terra da Fantasia GLS.

Mas tudo bem, eu gosto do seriado mesmo assim. Mil vezes isso que ligar a TV aberta e ver as personagens femininas das novelas e filmes que eles passam. Normalmente, quando eu zapo nesses canais, as mulheres estão:

a. tirando a roupa;

b. ou se debulhando em lágrimas;

c. ou levando porrada.

Explico: nas novelas, as mais novinhas e bonitas SÓ PENSAM NAQUILO. E SÓ FAZEM AQUILO. Chega uma hora que fica meio fake, né, porque elas nem têm tempo pra estudar, trabalhar, dar uma volta, tomar um cafezinho, nada!

Já as mais velhas estão sempre numa situação tristíssima. Elas são chifradas pelo marido, perseguidas pela sogras, assediadas pelo patrão... não é à-toa que choram! Umas histórias cabulosas. E aquelas que perdem o filho na maternidade? Nossa Senhora da Achiropita! Quando encontram o fedelho, vinte anos depois, não tem Sabesp que dê conta!

Isso nas novelas. Em filme policial, elas levam porrada, são esfaqueadas, estripadas, assassinadas por serial killers etc. Funciona assim: quando o roteirista percebe que a coisa está meio parada, tchum! espanca ou mata uma mulher, que é sempre mais dispensável que homem. Violência contra a mulher é sexy!

A TV paga não é nenhuma maravilha, mas lá, de vez em quando, você vê mulher fazendo coisas diferentes. Por exemplo: tem um seriado aí que a Geena Davis é presidenta dos Estados Unidos. Eu pessoalmente acho que tanto faz o presidente dos EUA usar terno ou tailleur, é tudo a mesma nheca. Mas é sempre uma variação, concordam?

A Geena Davis, além de presidir a nação e usar uns tailleurzinhos muito sem-graça, também tem que cuidar do marido, dos filhos e da mãe que é meio maluquete. Nos primeiros episódios ela até fazia o breakfast com ovos e bacon pra família; agora encontraram alguém pra essa função ingrata (o Ministro da Agricultura, provavelmente...)

Muito mais interessante é o seriado em que a Patricia Arquette faz o papel de uma médium que ajuda a polícia a resolver casos complicados. E, olha, é mais realista que a história da presidenta!

O marido da médium poderosa é um fofo, ajuda em tudo. Eles têm três filhas e às vezes o rapaz fica bravo porque a Patricia Arquette some para resolver seus casos; ou esquece as compras no supermercado, porque teve uma visão na seção de laticínios. É fogo ser casado com médium. Mas o legal é que a Patricia é uma mãe de verdade, que aparece fazendo coisas de mãe: respira fundo pra agüentar as malcriações da filha adolescente, espreme o orçamento pra comprar roupas, leva a menorzinha na escola ou no médico...

Sabe aquela tarefa que não acaba nunca mais: criar filhos? Aquela coisa que exige a criatividade de um artista, a capacidade de improvisação de um performer, e a calma de um monge tibetano? Pois é, tudo isso aparece no seriado. Viva!

Querem saber, eu acho que criar filhos é muito mais difícil do que perseguir serial killer. Ou perder o nenê na maternidade.

Tem também aquele seriado bárbaro, o Desperate Housewives, que todo mundo adora e não é à-toa. É super bem-feitinho, tem personagens multifacetadas, nem boas nem ruins: mulheres comuns. E revelou ótimas atrizes! Sorte delas, porque estavam entrando naquela faixa etária onde existe mais vida feminina em Hollywood...

Uma das housewives é uma moça que tem quatro filhos, um mais terrível que o outro, ninguém merece! mas ela enfrenta o desafio numa boa. Arranja um emprego, vai trabalhar e logo faz uma reivindicação revolucionária: eu quero uma creche!

Que novidade! Até agora, na TV e no cinema, as mulheres que trabalhavam estavam sempre lindas, impecáveis, sem manchinhas de leite regurgitado na lapela. Nunca precisavam ficar penduradas no telefone com a empregada, nem morrendo de preocupação porque deixaram o filho doente em casa. Gente: isso não é o mundo real.

Aí os luminares da comunicação afirmam que o público não gosta do mundo real, e sim de fantasia. Pode até ser verdade: a gente quer é fantasia. Mas por que não uma fantasia com personagens mais variados, mais complexos, mais profundos do que os clichês de mulher que andam por aí?

Nossas filhas assistem TV. Vocês não gostariam que elas soubessem que existem outras opções na vida, além de tirar a roupa, chorar ou levar porrada?

Eu gostaria.