segunda-feira, abril 09, 2007

ULYSSES



Não é mentira não, na Heliópolis todo mundo sabe: Ulysses, dono da maior boca-de-fumo do pedaço, foi embora há vinte anos e nunca mais deu notícia. Penélope, a patroa, ficou segurando o rojão até hoje. Mulher valente, não pensa duas vezes pra despachar a concorrência com seu três-oitão. E é ponta firme a Dona Penélope, paga todo mundo em dia: do avião à polícia. Tá assim de malaco querendo casar com ela. Ultimamente até apareceu um dizendo que é o Ulysses, vê se é possível. A Penélope falou que tá esperando o cara. Ela, e seu três-oitão.

MERCÚRIO




Mercúrio morreu na terça-feira, quando voava mais rápido que o raio numa avenida da cidade. Amigos e parentes compareceram ao Cemitério da Quarta Parada para enterrar o rapaz. Da moto não sobrou grande coisa. Dele mesmo, também não. Ficou tudo espalhado no asfalto: parafusos, porcas, sangue, massa cinzenta, óleo. Mas os órgãos - diz o hospital- ainda se aproveitam. Os clientes vão sentir falta de Mercúrio: pediam sempre por ele, na hora de entregar os envelopes mais urgentes. Sabiam que Mercúrio, o motoboy, não corria. Voava.

PERSÉFONE



Perséfone é casada com um fazendeiro rico do Mato Grosso. Ela é linda, mas só passa metade do ano com o marido. Acordo do casal. Quando chega a estação das chuvas, Peerséfone viaja pra São Paulo. Aqui, ninguém sabe o que faz: se vai pra balada, se torra dinheiro na Oscar Freire ou se tem amantes. Mas lá no Mato Grosso, quando chega a estação da chuva, o fazendeiro fica triste. E aqui em São Paulo, quando Perséfone desembarca, faz sempre sol.

DETALHES TÃO PEQUENOS DE NÓS DOIS...




Sábado, dia sagrado de cinema. Duas décadas atrás, eu e ele pegávamos o jornal e víamos onde e e em que horário estava passando o filme que íamos ver. Era uma operação simples e rápida.
Hoje, não mais:
- Não estou entendendo nada que tá escrito aqui! Porcaria de letra pequenininha! Também, minha vista está uma droga...
- Deixa que eu tento. - Apanho o "Guia da Folha" e constato:
- Também não estou enxergando nada.
Olhamos um pro outro, perplexos. É aí que chego à conclusão inevitável:
- Estamos envelhecendo juntos! Sua vista não vale mais nada, a minha também não. Que romântico!
- Romântico? É uma merda, isso sim.
- Mas é por isso que as pessoas têm filhos!
Chamamos a Marília e tudo se resolve.
Por enquanto. Quero ver quando chegar o Alzheimer...

O PSY E O CONFLITO DE GERAÇÕES: UM PROBLEMA ODONTO-MUSICAL




Entramos no carro pra ir ao médico, em Santo Amaro. E antes que você possa dizer "trânsito horrível", ela já sacou da bolsa seus CDzinhos mal-ajambrados, sem capa, com o título escrito com caneta Pilot. Piratão mesmo.
- Eu escolho os CDs na ida, você escolhe na volta.
No começo ela até pega leve: Sinéad O'Connor, Chico Buarque. Aí, chega o momento que eu temia.
- Um psy da hora.
- Ai, meu Deus, eu não mereço...
Já era. Os sons infernais enchem o carro. Respiro fundo, procuro me lembrar do meu pai que odiava rock, mas, porra!
- Marília, eu até entendo que você queira ouvir esse troço pra dançar. Mas aqui? Sentada no carro? Parada?
- É legal do mesmo jeito.
- Não, não é. É um saco. Fica horas tocando a mesma coisa, com essa batidinha e o sintetizador vagabundo no fundo.
- Você não entende disso. - E lá vou eu, pela Santo Amaro congestionada, em plena tarde de terça-feira, ouvindo aquela batidinha retardada.
- Olha agora! - diz a Marília, em determinada altura – Olha só esse sintetizador...
- Marília, esse troço parece motor de dentista!
- Ah, mãe! Não zoa, vai!
- Igualzinho! Minhas obturações reconhecem, tá ligada?
- MÃE!
Ela ficou furiosa, problema dela. Odeio psy! Na volta, só toquei Morrissey.