terça-feira, julho 04, 2006

DEIXA QUE EU CHUTO

Domingo à noite meu pai me telefonou pra comentar os últimos acontecimentos.
Coitado de papai. Meu irmão está fora do Brasil, e não dá pra gastar horas de telefonema internacional xingando o Parreira. Com o povo lá de Bauru ele já deve ter esgotado o assunto. Enfim, o homem estava tão desesperado na sua indignação, que até em mim ele pensou para desabafar.
Não entendo picirica de futebol. Nesse ponto sou uma moça tradicional: não sei o que é tiro de meta, vivo perguntando o que é um zagueiro (e assim que me explicam, esqueço a resposta), e de forma geral não entendo todo esse entusiasmo por vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola. Sorry, pessoal, mas é assim que eu sou. No meu tempo não era considerado feminino mulher se interessar por futebol. Hoje elas entendem até mais que os homens, têm coluna em jornal, são repórteres da área... Até jogar a mulherada joga, né? E eu aqui, nessa ignorância. Só me interesso pelo assunto na época da Copa do Mundo. Aí, sim, aí rola um certo patriotismo, eu curto a festa toda... fico triste, inclusive, que tenha terminado tão cedo.
Meu pai começou a conversa dizendo que o Brasil não jogou nada e mereceu tomar na cabeça:
- Você viu que jogo feio, Maria Dóris? (é assim que ele me chama, pessoal. Pior ainda: é oque está escrito no meu RG).
- Horrível, pai, horrível! (me lembrei dos comentários que tinha ouvido na TV, depois da partida). O time não sabia jogar em conjunto, eram só jogadas individuais...
- Uma vergonha! Um absurdo! O Parreira não sabe montar um time, pô! Você via uma ou outra jogada individual, mas o resto... não sabiam nem tocar a bola!
- Pois é...
- Também, tem o seguinte: o Parreira não comanda a escalação do time. Na minha opinião, ele não escala quem quer.
- É mesmo, pai?
- Você tem alguma dúvida? Veja bem (meu pai dificilmente começa uma frase sem “veja bem”), jogadores como o Ronaldo, o Ronaldinho, o Roberto Carlos ou o Kaká têm esses contratos milionários de propaganda. Essas empresas financiam a Seleção, também. Você acha que não pressionam para manter o jogador em campo? É óbvio!
- Evidente, pai! (se ele fala, deve ser verdade... afinal, ele tem setenta e dois anos nas costas e é fanático por futebol...) Tá na cara... são interesses financeiros!
- Os franceses nem tinham tanto time assim!
- É... realmente... quer dizer, tinhamo Zidane, né? (todo mundo fala que o Zidane é um craque; portanto, deve ser).
- Sim, tinha o Zidane e o tal do Henry, no máximo.
- Henry?
- O cara que fez o gol!
(O gol... puxa, saiu bem na hora em que fui estourar pipoca. Também aproveitei pra alimentar o gato, e...)
- Ah, claro, claro, o cara que fez o gol! Me lembro agora.
- Mas a gente tinha muito mais time.
Aproveitei para colocar uma opinião ousada e original:
- Sabe, pai, acho que alguns jogadores foram injustiçados pela imprensa. Por exemplo, o Ronaldinho. Ele nem jogou tão mal assim.
(Eu sei lá se o Ronaldinho jogou bem ou mal... Ele corria bastante de um lado pro outro, né? Então, devia estar jogando bem! Pelo menos se esforçava. E ele é tão simpático e sorridente, com aqueles dentões pra fora... Outro que é simpático é o Robinho. Já o Ronaldo acho meio convencido, ele e aquela sua namorada lambisgóia...)
- É, mas que adianta, se não tem pra quem passar a bola?
- É, realmente, faltou um jogo de conjunto...
(Epa, peraí, isso eu já falei antes.)
Enfim, conversamos mais um pouco, meu pai desabafou à vontade e desligou aliviado. E eu? Fiquei mais aliviada ainda. Durante quatro anos, não vou precisar fingir que entendo de futebol. Posso continuar feliz com a minha burrice, e com as dúvidas que me perseguem, Copa após Copa, desde 1970.
Quem sabe alguém, um dia, me explique o que é tiro de meta. Seria um favor. Mesmo se, até 2010, eu já tiver esquecido de novo.