sexta-feira, fevereiro 24, 2006

A MALDIÇÃO DAS FORMIGUINHAS

Dóris Fleury

Tenho um monte de planos pra esse ano. Quero fazer esse blog. Quero viajar pros Estados Unidos em setembro. Quero coordenar várias oficinas literárias. Continuar turbinando o site do meu grupo, o Tudo Lorota (www.tudolorota.com.br). E, principalmente, publicar meu novo livro de contos, A maldição das cadeiras de plástico. É uma coletânea de histórias sobre o amor enquanto desastre. Aquela velha história: você se apaixona e vai tudo pro saco. Sem trocadilhos. Estou mandando originais para editoras. Vamos ver se alguém resolve dar uma forcinha aqui pra essa humilde escritora. Preciso publicar esse livro ainda em 2006. Mas... tem um probleminha, sabe?
É que para publicar esse livro, preciso estar viva. E acontece que, no momento, ESTOU SENDO DEVORADA POR CANIBAIS!
Juro por Deus que não estou exagerando. Elas foram chegando aos poucos. Quando vi, eram milhares. Ou talvez milhões, sei lá; ninguém fica contando formiga. Principalmente essas que se instalaram no meu escritório. Elas são minúsculas, ridículas, uma verdadeira piada. Você mal consegue vê-las. Mas sabe de uma coisa? Elas mordem, bicho! E como!
Vocês dirão: ora, o que é uma picadinha de um inseto tão pequeno. Nem sequer uma saúva, uma lava-pé. Mas elas estão me enlouquecendo! Agora mesmo tem uma passeando na tela do computador. Sério. Será que consigo acertar a filha-da-puta clicando ela com o mouse? Detefon, Baygon, essas coisas, eu já experimentei. Nada. Acho até que elas gostaram, pois o número das safadinhas aumentou.
Agora vou jogar pesado. Quinta-feira que vem chega o dedetizador. Elas vão ver uma coisa.
Ui! Acabo de levar uma picada na dobrinha do braço.
Até na cama elas me acompanham. E não é pra fazer sexo. Nem consigo dormir, sei lá, acho que é reação alérgica. Não paro me coçar. Ontem saí pra beber com meus amigos Rogério Augusto e Tatiana Carlotti, do Tudo Lorota. E minhas formigas. Me cocei a noite inteira. Elas só deram trégua depois da terceira caipirinha. Duvido que tenham parado de picar, mas é que eu não sentia mais nada...
E hoje, além desses insetos nojentos, tenho de enfrentar uma tremenda ressaca.
Estou fazendo um projeto para uma oficina literária. Tenho que planejar um total de quarenta e oito encontros. Com elas picando. Não dá. Vou ficar histérica.Vou ter um ataque. A coisa realmente está afetando meus nervos, porque, pra vocês terem uma idéia, parti pro combate singular. Sempre que vejo uma, mato. Dá uma certa satisfação, mas não resolve nada, né. Elas continuam por aí.
Vou pra praia no carnaval. Será que elas vão junto? Sei não. Até agora eu achava que o borrachudo era o pior animal do mundo. Mas essas escrotinhas estão me fazendo mudar de idéia.
É estranho elas aparecerem assim, de uma hora para a outra. Talvez já estejam aí há muito tempo; eu é que não as notava. Talvez as pessoas só notem essa praga depois de uma determinada idade... E eu já estou com uma determinada idade, sabe.
Isso me lembra a minha mãe. Minha mãe sempre caiu no sono onde lhe dava na telha. No cinema. Em ocasiões públicas, no meio de um discurso. No ônibus, de pé. E é claro, em casa, na frente das visitas. A gente morria de vergonha. Sacudia ela, ela entreabria os olhos. As visitas, constrangidas, diziam:
- Bom, acho melhor a gente ir andando...
E ela gaguejava, bêbada de sono:
- Não... fiquem aí.... a conversa está tão interessante...
Outras vezes, nem cutucando ela acordava. Continuava dormindo. No máximo dizia alguma coisa sem nexo no meio do sono. Uma vez, por exemplo, resmungou:
- Formiguinhas pequenininhas....
Na hora, a gente riu. Mas hoje sei do que ela estava falando.


P.S. – Abaixo, uma amostra grátis do meu livro A maldição das cadeiras de plástico. Se sair, vocês têm que comprar, viu?

LITIGIOSOS

Dóris Fleury

Ontem eram um casal, hoje são só uma briga. Brigam pela casa. Pelo carro. Pelo fogão e pelo microondas. Pelos tapetes da sala. Pela cafeteira da Tia Arlete. Pela caneca Estive em Blumenau, lembrei-me de você...
Não têm filhos, felizmente. Mas brigam pela custódia do cachorro.
Os advogados das partes, exaustos, às vezes trocam comentários no corredor do fórum. Não agüento mais essa perua. O doutor me desculpe a franqueza, eu sei que ela é chata; mas seu cliente também é um maníaco. Terceiro corretor que ele manda avaliar a casa! O martirizado causídico encolhe os ombros, a colega quer que eu faça o quê?
Finalmente um juiz perde a paciência e encurta a conversa. Depois os senhores reclamam que a Justiça brasileira é lenta. Chega de bobagens. Façam logo esse acordo. A senhora leu? Está de acordo? O senhor também? Muito bem, assinem na linha pontilhada.
A casa é vendida, o dinheiro dividido, o carro fica com ela, ele se contenta com o fogão, o microondas e o freezer. Os tapetes, deram pra vizinha. A cafeteira... Onde foi parar a cafeteira?
Os dois se dizem roubados.
Meses depois, vão ao cartório assinar os papéis do divórcio. Agora é oficial. Sacramentado. Não há mais nada a fazer. Nem um tapete de banheiro pra brigar.
Aí eles vão embora, cada um pra sua casa. Chorar na cama que é lugar quente.