terça-feira, abril 25, 2006

O MACHO CONTEMPORÂNEO - FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO


Dóris Fleury

...EU NÃO ENTENDO PORQUE VOCÊ NÃO ME ENTENDE! Mas que saco! Eu sou um cara sensível, sabia? Romântico, até, porra. Não era isso que vocês mulheres queriam?
Não era o que vocês reivindicavam? Um cara sensível. Poético. Bom de cantada. Até digo umas baixarias, naquele estilo Charles. (Não o Bronson. O Bukowski, meu ídolo). Antes de te comer, prometo: você terá direito a um discurso poético no melhor estilo beat decadente, cheio de loucura, vodka e paixão. Eu te convido pra grandes aventuras, passeios à beira de abismos, noites inesquecíveis de sexo e poesia.
E eu não entendo porque você não vem.
Em vez de vir, começa com umas historinhas: que isso, que aquilo, que seu ex-namorado, que seu filho, que seu terapeuta, e não sei mais o quê. Porra, é isso que me enche o saco. É isso que me brocha. Mulher com história brocha.
CARALHO! Vocês tão lindas, tão gostosas, tão maravilhosas: tinham que vir com história? Já ouviu falar do fim da História? Terminou, baby. Acabou. Ou melhor: acabou a história dos outros. O negócio agora é bombardear o Museu de Bagdá, ou se explodir com trezentos quilos de dinamite na mesquita alheia. Porque a História do Outro não interessa; só a minha, porra. Entendeu?
Com as cantadas incríveis que eu te passo, você deveria vir correndo, baby, uma rosa na mão esquerda e a direita já desabotoando a calça jeans. Eu não entendo porque não vem. Você é careta. Você não consegue ser moderna e contemporânea, como eu. Você não entende meu desespero existencial. Você é muito racional. Você é covarde. Você tem muita história. Já disse, não estou interessado na história dos outros.
Você não serve pra mim.
Vou arranjar outra mais legal, que fale menos e beije mais.

Ah! que pena! No começo a outra era uma maravilha. Mas passou uns meses, também começou: porque o filho, porque o terapeuta, porque o ex-marido, porque o patrão. Mulher é tudo igual. Que saco. Eu queria ser veado às vezes. Homem não conta tanta história...
Olha, não é que eu não queira ouvir você. Eu quero. Tenho a maior boa vontade. E o seu papo até é legal, sabe; principalmente naqueles momentos em que percebo que a gente é muito parecido. Somos almas gêmeas, pensamos as mesmas coisas, nos identificamos...
Mas dali a pouco a coisa azeda, né, baby? Começo a perceber as desagradáveis diferenças.
Ninguém é obrigado a conviver com diferenças, porra! É pedir muito de um ser humano, tenha a santa paciência. Diferença é frustrante. Eu diria até: traumatizante.
Você adora sorvete de chocolate, e eu prefiro o de baunilha. Você é atéia e eu sou meio esotérico. Mas o pior de tudo, o mais imperdoável, é que você acha o The Clash melhor que os Libertines.
Aí não dá pra negociar.
Diferença é um bagulho complicado. Por que você não pode ser igual a mim, hein? Falar do mesmo jeito. Andar na mesma tribo. Amar as mesmas coisas, odiar o mesmo que eu. Eu sou tão inteligente, boca-suja, revolucionário. Eu penso por nós dois. Você não precisa pensar.
Se você me amasse de verdade, e fosse corajosa e radical, adivinharia meus pensamentos. Diria minhas falas antes de eu abrir a boca. Seria maravilhoso. Meu ideal romântico. Porque, como já te disse, no fundo eu sou um romântico... Século 19. Punhos de renda. Aquelas musas sim, eram maravilhosas. Não exigiam nada. Não cobravam. Não tinham terapeuta. Se limitavam a sorrir e a serem gostosas.
De modo que a minha mulher ideal... fica no ideal mesmo. Porque as mulheres de hoje são todas umas chatas, e não entendem minha estética radical, meus ideais beats, minha coleção de figurinhas da Seleção de 1982.
Bom... pra falar a verdade, eu já tive uma mulher que me entendia. Uma mulher perfeita. Maravilhosa. Adivinhava meus desejos. Satisfazia minhas vontades... antes mesmo que eu as manifestasse. Era linda, maravilhosa e sexy. Não ia ao terapeuta. Não entendia de política. Não lia Bukowski, é verdade. Mas estava sempre preocupada com o meu bem-estar...
Mamãe... que saudade eu sinto de você.