terça-feira, maio 09, 2006

DIÁLOGOS DO ABSURDO




Dóris Fleury

Na feira:
- Quanto a jaca, moço?
- Dois reais a bandejinha. Faço duas por três.
- Vou levar, mas só uma. Lá em casa só eu como jaca, sabe? O resto da família detesta!!!
- Bom, minha senhora. Eu vendo jaca, né? Mas, pra falar a verdade, também morro de nojo dessa porcaria.



Na oficina literária:
- Mas por que esse dragão?
- Eu não sei se gosto do dragão.
- Tem um elemento de realismo fantástico...
- Achava melhor um lagarto. Já que o negócio é réptil...
- Bom, gente...
- Com escamas fosforescentes, que tal?
- É um dragão metafórico ou real?
- Bom, na verdade...
- Acho que o dragão simboliza os medos reprimidos do ser humano e...
- Pelo contrário, eu acho o dragão uma figura libertária. É a fantasia, o...
- Peraí, pessoal. Peraí. Eu só queria saber que nome dar pro dragão. Aluísio ou Alberico?
Pausa perplexa.
- Depende. Qual o simbolismo que esses nomes carregam?

Na rua:
- O senhor sabe onde fica o supermercado?
- Ah, minha filha. Não posso responder. Tive um derrame cerebral e fui parar no hospital, fiquei dois meses lá. Nunca mais minha cabeça foi a mesma, sabe? Esqueço até o nome dos netos. Faço uma confusão dos diabos, visto a roupa do avesso, boto um sapato diferente em cada pé. Às vezes acordo, e nem sei onde estou. A gente não vale nada mesmo. O médico diz que vai melhorar, mas cada dia fico pior. Era melhor eu morrer logo, só estou atrapalhando todo mundo. Ô vida lazarenta!
- Não chore, meu senhor... não chore... olha... tem uns lencinhos aqui na bolsa... meu Deus, onde coloquei os lencinhos? Minha cabeça também não vale mais nada, viu?



Neto, 3, para avô, 71:
- Vô, pra onde foi o resto do seu cabelo?
Vô para neto (deprimido):
- Pro ralo, Diego. Foi pro ralo.



Na biblioteca:
Mocinha magérrima e albina:
- Por favor, eu queria esse livro aqui que está escrito no papel. A professora pediu.
Funcionária gordíssima e solonenta: (lendo)
- "Contos tradicionais do Brasil", de Câmara Cascudo.
- A senhora podia pegar pra mim, por favor?
- Mas eu não sei onde está esse livro! Além do mais, nem é meu serviço...
- Quem pode pegar, então?
- A outra moça. Um instantinho que já vou chamar...
(Levanta-se da cadeira e vai até o corredor).
- Fátima! (Nenhuma resposta). Ôooo FÁTIMA! FÁTIMAAAA!
(Silêncio. Nenhuma resposta. A funcionária, pesadamente, volta para sua cadeira).
- Olha, meu bem. Acho que a Fátima vai demorar.
- Mas a senhora mesma não pode achar esse livro?
- Ih, eu não mexo com isso. Não é meu serviço, viu? Escuta, você não quer olhar ali no fichário? (e aponta na direção do referido equipamento).
A mocinha dá alguns passos, volta indecisa e fica olhando para a funcionária:
- Que foi, meu bem? - diz a mulher, com um suspiro.
- Desculpe, moça, mas o que é fichário?