terça-feira, maio 16, 2006

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A GUERRA

Dóris Fleury

Então tá combinado, né gente? Bagdá, agora, é aqui. Favela carioca, com tiroteio toda noite e toque de recolher – agora é aqui. Viver entocado dentro de casa, morrendo de medo – agora é aqui.
Bem-vindo a São Paulo.
Trancado em casa ou perdido num congestionamento, levando prejuízo porque teve de fechar o seu negócio, ou morrendo de medo de que seus filhos não voltem do colégio, você só consegue sentir duas emoções: raiva e medo. Encurralado feito rato num canto, com uma AK-7 apontada pra cabeça – é assim que você se sente. E não são emoções agradáveis.
Aí, você começa a procurar um culpado.
Os bandidos? Aí, rapá, vamos raciocinar? Bandido só faz o seu papel de bandido. Se você dá espaço, ele se organiza e vira Máfia. E é isso que está acontecendo aqui. Temos uma polícia corrupta e uma administração penitenciária escrota. E um governo estadual que é uma piada, que não tem nenhuma política de segurança digna do nome. Senão vejam: na hora agá, quando a coisa aperta, eles não conseguem sequer fazer um discurso coerente sobre o assunto. O PCC toma as ruas e os caras nem sabem o que dizer. Por falta absoluta de explicações, colocam a culpa... no PT!
HÁ DOZE ANOS ESSA TUCANAIADA GOVERNA O ESTADO E QUANDO EXPLODE UMA MERDA DESSAS, A CULPA É DO PT!
Há quanto tempo esse Secretário da Administração Penitenciária (rá, rá) vem negociando, passando a mão na cabeça do tal do Marcola e sua gangue? Hein? E sabe por quê, minha gente? Porque ele não quer contrariar interesses. Porque ele não quer mexer nessa polícia corrupta, nessa sistema carcerário que pega o sujeito que arrombou um carro ou vendeu uma trouxinha de maconha e transforma num bandido diplomado, violento e disposto a tudo, com apenas alguns anos de cadeia. Porque o senhor secretário não quer brigar com esse sistema escroto que deixa o preso sem direitos na cadeia, sujeito à violência, ao estupro, à pressão das gangues como a do PCC, a quem ele acaba se juntando pra sobreviver. E “sobreviver” não é ganhar a vida não: é escapar até da degola. Hoje abri o jornal e vi um bando de presos segurando a cabeça de um infeliz que eles degolaram, numa dessas rebeliões.
Se você não se importa com isso; se você não liga pro cara degolado; então que moral você tem pra reclamar segurança? Se você não se importa com os caras que estão trancados num inferno desses, por que vai esperar que eles se importem com a sua vida, ou com a dos seus amigos e familiares? Se você acha que tem que chamar o Coronel Ubiratan, aquele dos 111 do Carandiru (como andam dizendo no Orkut), então, em que tipo de sociedade você quer viver? O seu “herói” por acaso é um cara que executa 111 sujeitos pelados, desarmados e rendidos, deitados no chão? As mães, as mulheres, os filhos desses caras pra você não têm nenhum valor? Não são gente?
Então... espera aí, qual é a grande diferença entre você e os caras do PCC, hein?
Eles também não ligam pras mulheres, filhos e mães dos policiais que executaram. Vamos ficar iguais a eles? Vamos tratar gente como gado? Vamos votar de novo no cara responsável por esse estado de coisas? Vamos reclamar, protestar e depois ir feito carneirinhos até a urna e depositar nosso voto no excelso Picolé de Chuchu, que nos levou a essa situação?
Vamos votar de novo num governo que corta verbas para educação, saúde, projetos sociais, e segurança mesmo? Tudo pra gente fazer um belo superávit primário pro FMI ficar feliz e sorridente?
Desculpem a franqueza, gente, mas é que só tem uma coisa que eu odeio mais do que violência: hipocrisia. E ultimamente você anda na rua e o que se vê – principalmente por parte da nossa maravilhosa classe média – é um show de hipocrisia. É como se o PCC tivesse brotado do chão, o governo do Alckmin tivesse brotado do chão, e a gente fosse umas vitiminhas inocentes que não têm idéia do que aconteceu. E não estou negando que a gente seja vítima. A gente é. Mas vamos botar a mão na consciência. Até que ponto não contribuímos com esse estado de coisas, também?
E agora que a merda foi pro ventilador, nos entocamos em casa, acovardados. Tá certo a gente ficar mais cuidadosa, mas histeria coletiva como a dos últimos dias é grave. Que é isso, gente. Londres foi bombardeada durante anos e as pessoas não reagiam assim. Minha filha foi pro cursinho, num bairro absolutamente tranqüilo da cidade, que não tinha registrado nenhum incidente, e encontrou tipo umas cinqüenta pessoas no prédio todo, que é enorme.
Aí a gente deixa de fazer as coisas, deixa de viver a vida. E o PCC ganhou, pronto.
Ah, sim, e tem mais uma coisa. Acordo com esses caras? De jeito nenhum. Se o tal do Nagashi Furukawa negociar com esses caras, vou entrar com a seguinte campanha: Chega de intermediários, Marcola pra governador! Porque aí sim, gente, vamos estar na mão dos caras.
A quarta maior cidade do mundo, de joelhos em frente a uma gangue.
É isso que vocês querem?