terça-feira, novembro 14, 2006

VAMOS PARAR COM ESSA BAIXARIA

Dóris Fleury

Ficar famoso é fácil, não tem problema. Quer ver como? Arranje uma arma, seqüestre um ônibus e ameace matar sua ex-mulher e se suicidar. Sucesso garantido, melhor ainda que o Big Brother. Vem a Globo e filma tudo, você aparece em rede nacional. No fim da noite sua mãe também aparece, em prantos, jurando que você é um bom menino. E depois de espancar e humilhar sua vítima durante dez horas, você ainda sai de lá com um advogado.
O qual, aliás, jura que aquilo não foi seqüestro.
E pra fazer tudo isso, você ainda conta com a apoio e a cumplicidade da maravilhosa sociedade em que vivemos.
Duvida? Pois confira nos jornais da semana passada. É verdade que André Luiz Ribeiro, o seqüestrador do ônibus da linha 499, em Nova Iguaçu (RJ), depois de algumas horas liberou os passageiros do ônibus. Mas continuou ameaçando e espancando a ex-mulher, Cristina Ribeiro. Muitos dos passageiros, inclusive, optaram por permanecer no ônibus, para argumentar com o seqüestrador e fazer ele mudar de idéia.
Esse último detalhe tinha restaurado a minha fé na humanidade... até eu ler a entrevista com a própria Cristina, ontem, na Folha de S. Paulo. Olhem só o que ela conta:
"Ele era tratado o tempo todo como vítima. Depois de algumas horas, só os homens ficaram no ônibus. Todos diziam que não valia a pena brigar por mulher. Falavam que já tinham se separado. Ele me batia, arrancava os meus cabelos, e ninguém falava nada. Agora, ele já tem até advogado. Eu, que sofri por dez horas, não tenho nada."
O caso de Cristina só chamou nossa atenção porque virou seqüestro de ônibus. Mas nas últimas duas semanas, entre Rio e São Paulo, nada menos que quatro mulheres foram assassinadas por maridos, ex-maridos, namorados, amantes... Mal dá notinha no jornal.
A violência contra a mulher é tão corriqueira, que a gente incorporou como normal. Vou dar outro exemplo; passou, se não me engano, no SP TV na semana passada. Uma moça levou quatro tiros na cabeça, mas sobreviveu ilesa! Foi notícia, todo mundo ficou admirado com a sorte da menina. O que não deixou ninguém admirado foi ela ser vítima de um atentado do ex. Isso é banal.
Agora a Cristina está lá, na sua casinha de Nova Iguaçu, com o pescoço imobilizado, mandíbula fissurada, olho roxo etc. Vamos torcer pra que a história dela não tenha o mesmo fim que as das outras quatro mulheres que eu falei, né? Por exemplo: será que o André Luiz vai pra cadeia? Para a Cristina, isso pode significar a diferença entre a vida e a morte.
Vontade e disposição pra matar a ex, o André Luiz já mostrou que tem.
Sem falar no nosso apoio total e irrestrito.
Sim, apoio. A Cristina já sofreu espancamentos dentro de casa, ameças contra ela e sua mãe, estupro, cárcere privado. Ela e sua mãe cansaram de apresentar queixas contra o André Luiz. Já teve ocasião da polícia vir, pegar o indivíduo no flagrante, e nem assim prender. Ele continuou andando por aí belo e formoso. A polícia deixou. E é bom lembrar, cada sociedade tem a polícia que merece.
Numa das ocasiões em que prestou queixa, a mãe de Cristina ouviu de um policial a seguinte pérola: "Deixa eles se divertirem. A senhora está atrapalhando."
Delegacia da Mulher? A Cristina também esteve lá, e nada aconteceu.
Ou seja: todos nós somos cúmplices do seqüestro do ônibus 499.
Tomara que a gente não vire cúmplice do assassinato da Cristina, também. Ela tem três filhos.

Também li outro dia o depoimento da filha de Ângela Diniz, que foi assassinada pelo seu companheiro, Raul "Doca" Street há exatamente trinta anos. Como Cristina, ela tinha três filhos. A família nunca se recuperou.
E isso é gente rica, da alta sociedade de Belo Horizonte. Imagine-se o que acontece com uma família pobre que é alvo desse tipo de crime.
Assassinos de mulheres são pequenos Bin Ladens, explodindo suas próprias famílias e deixando a conta pra a sociedade pagar. E o detalhe mais triste é que, quando acontece uma coisa dessas, é sempre uma tragédia anunciada. Já houve ameaças, espancamento etc. Todo mundo sabe que um dia vai acontecer. Mas não tem nada não.
Como diriam os policiais de Nova Iguaçu: deixa eles se divertirem.

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