quinta-feira, abril 20, 2006

EVOLUÇÃO

Outro dia, conversando com meu amigo Dunga, quando começou a to

Daniel Waismann

Outro dia, estava na velha mesa com meu amigo Dunga, quando começou a tocar no rádio do boteco uma dessas bandinhas adolescentes. Rock acelerado, letras melosas, que chamam de Emo. E, no alto de sua sabedoria etílica, Dunga interrompeu o papo sobre as projeções do próximo Brasileirão e soltou essa: “Percebeu que grandes invenções da humanidade, criadas por verdadeiros gênios, depois dão origem a um monte de lixo?” Apenas por conhecer tão bem meu amigo, sabia que ele não estava se referindo àquelas bobagens, como a Teoria da Relatividade ter se transformado na bomba atômica ou a democracia ter sido usada para eleger um Hitler. Não, não era nada disso. Era algo bem mais profundo.

O silêncio após essas indagações repentinas de Dunga são sempre torturantes. Ele continua a comer seus bolinhos de bacalhau como se nada tivesse dito, depois olha para fora, aponta para o garçom trazer mais bebida, e sem pronunciar um som, olha para o teto. Eu fico aqui, enrolando, tentando pensar em um comentário pertinente, como se soubesse do que se trata. Enrolo um pouco, espero mais alguma dica, mas nada. Dunga dificilmente dá uma segunda chance. Dessa vez quero acertar e não dar o prazer a esse infeliz ficar com ar superior diante da minha ignorância. Começa a tocar outra música no rádio, rock acelerado para adolescentes. É isso! E tomo quase uma dose inteira de uma vez. Ele está se referindo à música, aos punks que deram duro para criar o “faça você mesmo” e acabar com a chatice dos músicos virtuosos, e criaram essa legião de lixo. Isso também deve se estender ao cinema, e todo diretor medíocre – como chama o marido da Madonna mesmo? – fazendo histórias entrecortadas querendo ser Tarantino. E à literatura, às artes plásticas... As novelas da Globo existiram se não fosse Shakespeare? E os Beatles teriam feito o que fizeram se soubessem que criariam um Oasis? Dunga continua genial em suas sacadas... “E pensar que bolinhos de bacalhau eram sequinhos, e sem espinhos, e eu aqui com essa massa de batata engordurada, que lixo...”, disse, finalmente, arrancando um espinho do meio dos dentes.

Daniel Waissman é corintiano e jornalista, mas fora isso é bem legal.

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