terça-feira, abril 18, 2006

O FIM DAS COISAS

Dóris Fleury


Tudo que é bom na vida um dia acaba. Sabe o chocolate que você comprou na Páscoa? Pois é. A essa altura todo mundo já comeu, periga até o cachorro ter dado umas mordidas (como aconteceu aqui em casa). Com muita sorte ficou um restinho embrulhado em papel alumínio. Mas vai acabar.

Lembra que delícia foram as suas férias? Pois é. Mas já acabaram. Depois de passear, ir à praia, tomar todas e se divertir à vontade durante alguns dias, você volta à velha rotina: trabalho aos montes, chefe de cara amarrada, e o salário...

E o amor, então? Como sabem até os românticos mais empedernidos, amor acaba. Acabam casamentos de vinte anos, e namoros apaixonadíssimos. Um belo dia vem uma briga mais feia, e quando você acorda no dia seguinte, o lugar ao lado na cama está vazio. Você tenta voltar, mas não dá certo. Às vezes o amor até continua, mas os problemas são insuperáveis.

Grandes amizades também acabam. É mais raro, mas acontece. Basta que Fulano ou Fulana, por quem você botava a mão no fogo, te façam uma cachorrada imperdoável, e adeus. Ou então a pessoa muda de cidade, de trabalho, de hábitos, e o contato fica difícil. Em geral as boas amizades são resistentes. Mas também podem acabar.

Dinheiro acaba. Tanto aquele dinheirinho que você reservou pra balada, quanto uma fortuna imensa, tipo a do Jorge Guinle. Vocês viram como ele morreu pobre? (é verdade que se divertiu pra burro). Dinheiro é papel; e papel, se soprar um vento mais forte, voa. É sensível, o danado: não agüenta desaforo.

Ah! me lembrei de outra coisa que também acaba. A paciência. Eu, quando era jovem, tinha mais paciência. Hoje estou cada vez mais nervosinha. Algumas coisas me tiram do sério. Por exemplo: gente lerda. Impressionante como tem gente lerda no mundo! Sabe aquele velhinho que está na sua frente na fila do banco, e quando chega a vez de ser atendido, tira uma pilha enorme de contas de um envelope e começa a pagar uma por uma, bem devagarzinho? Gente! Eu surto! Começo a soltar fumaça! Sei que não é politicamente correto, sei que não é culpa dele, mas já fiquei com vontade de cometer um velhinhocídio em algumas de nossas melhores agências bancárias. E tudo por quê? Porque minha paciência está acabando.

Naturalmente, nós também acabamos. Eu, você, o velhinho do banco - um dia todos estaremos comendo capim pela raiz, como diz aquela poética expressão. E ninguém sabe quando. Podemos até ir antes do velhinho.

Coisas ruins também acabam, graças a Deus. Um dia determinados políticos vão bater as botas. O ar vai ficar mais respirável, até a Cetesb vai registrar. O mandato do George Bush vai acabar - rezemos pra que depois não venha coisa pior. A adolescência passa, graças a Deus! levando com ela traumas e espinhas. E até congestionamento acaba.

Mas ruim mesmo é quando as coisas boas acabam.


Toda essa conversa só pra contar que o Clube Caiubi, aqui em São Paulo, fechou as portas no último dia 17. Para quem não conhece, o Caiubi, localizado na rua do mesmo nome, era um ponto de reunião de alguns dos melhores músicos dessa cidade. Gente talentosa que não tem espaço em rádio, TV e nem nas grandes gravadoras - que atualmente só oferecem ao público, com o perdão da má palavra, a pior merda que estiver na praça. (E por isso mesmo perderão dinheiro com os MP-3 da vida, até irem todas à falência).

Apadrinhados por Zé Rodrix, o curador do Clube, músicos como Álvaro Cueva, Lis Rodrigues, Sonekka, Fernando Cavalieri, Ricardo Soares, Max Gonzaga, Márcio Policastro, Vlado Lima, Ricardo Moreira, Tito Pinheiro, os garotos do Rossa Nova e muitos outros mostravam ali o seu trabalho, de graça, por puro prazer. E o mais legal é que formaram um público fiel, que lotava o local, principalmente nas Segundas Autorais. Tietes do Caiubi se misturavam com os artistas e formavam uma comunidade do bem.

É claro que tudo isso gerou visibilidade, shows e oportunidades para a moçada. Mas ninguém ali queria ser estrela, só mostrar seu trabalho para amigos e colegas.

Na mesma lógica funcionava o Sopa de Letrinhas, sarau que todos os meses abria espaço aos poetas. Quem associa "sarau" com coisa séria e sisuda, é porque nunca esteve no Sopa. Era diversão, brincadeira e boa poesia e música até depois da meia-noite. Eu mesma, intrometida que sou, várias vezes estive no Sopa mostrando meu trabalho, embora não seja poeta. Entrava de alegre, com a permissão do Vlado - o organizador da bagaça.

Agora, a batalha é para que todos esses eventos continuem em outro endereço - a próxima Segunda Autoral será realizada no Bar Saracura (R. Treze de Maio, 180). Mas a sensação de baixo-astral é inevitável. Foi a Prefeitura quem exigiu a mudança. Era bairro residencial etc. Pô... mas se a mudança fosse inevitável, não dava pra Secretaria da Cultura dar uma mãozinha e ajudar o pessoal a encontrar um novo pouso? Mas vai esperar esse tipo de sensibilidade dos nossos governantes. Se até rampa de cimento eles constróem pra expulsar sem-teto, por que não botariam na rua um punhado de artistas?

Mas não tem nada não. Um dia esses caras também acabam.


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