terça-feira, setembro 12, 2006

10 de setembro de 2006

Algum milionário bondoso poderia fundar no Brasil uma instituição como a Ledig House.
Se você é escritor, sabe do que estou falando. O mais difícil, para nós, é conquistar respeito pelo nosso trabalho. Mesmo que as pessoas ao redor te dêem o maior apoio (o que é meu caso), escritor não é exatamente uma profissão. Ninguém pediu pra você escrever. Você não vai ganhar a vida com isso – vai ter de arranjar um emprego, e escrever nas horas vagas.
No Brasil então, o único que consegue ganhar dinheiro com literatura é o performático Paulo Coelho. Todo mundo morre de inveja. Mas, por outro lado, nenhum escritor sério quer ser o Paulo Coelho.
(Vejam bem, não estou argumentando aqui que o homem da capa preta não é escritor, como dizem alguns críticos. Ele é escritor. Só que é muito ruim. A discussão é simples, não tem complexidades).
E para piorar as coisas, existe uma certa esquisitice intrínseca à literatura, por assim dizer. As pessoas sabem disso. Quando vim para cá, minha mãe me desejou, por telefone:
- Boa viagem! E boa sorte nos seus, hã... bom... escritos.
O requisito mais importante para produzir literatura é a solidão e o isolamento, pelo menos algumas horas por dia. Sem distrações. Não deve ser nada divertido viver com escritor. Graças a Deus, não sou casada com um!
Mas aqui na Ledig House ninguém se importa se você se trancar várias horas por dia na frente de um computador... Ou se comer quando der na telha. Ou se não atender telefone e conversar com as pessoas apenas quando tiver vontade. Ou se de repente sair pra dar uma volta e clarear as idéias. Ou se passar a noite em claro.
Está tudo dentro do esperado.
Enfim, a literatura aqui é tratada como uma atividade perfeitamente respeitável, que tem certos requisitos que devem ser tolerados, por mais estranhos que sejam. Uma maravilha!
Já estou arrependida de ter pedido para ficar aqui apenas três semanas. Se eu pudesse passar alguns meses por ano na Ledig House, a essa altura já seria Joyce. Ou no mínimo Proust.

Ontem o DW levou eu e a Brigid Lowry, uma escritora neozelandesa, para passear nas cidadezinhas próximas. DW Gibson é uma espécie de diretor da Ledig House, passa três dias por semana aqui e providencia para que nada nos falte. Uma espécie de babá de escritor.
Sabe como é americano: quando é ruim, é péssimo. Mas quando é bom, é ótimo! Pacientes, tolerantes, razoáveis, práticos e com um saudável senso de humor. Todas essas qualidades os americanos podem ter, de uma maneira particularmente americana. E o DW é assim.
Então ele levou eu e a Brigid – o Furacão Brigid, que não pára de falar e se agitar um só minuto – para dar uma volta e comprar roupas, já que nós duas não trouxemos roupas para o calor. E aqui está fazendo algo em torno de 18 a 25 graus.
Acabamos num hipermegabrechó – escritor é pobre, e americano não tem a menor vergonha de usar roupa usada. O lugar era enorme e estava cheio, todo mundo aproveitando os preços ridículos (uma camiseta no máximo cinco dólares, uma sandalinha bárbara, três). Fiquei reparando nas pessoas – particularmente nas mulheres, que são sempre mais interessantes.
Ledig House fica entre duas cadeias de montanhas, as Berkshires e as Catskill. Estamos em plena terra dos ianques. Hoje, em dia, essa palavra é usada para designar qualquer americano; mas foi nessa região, ao norte da Costa Leste, que a palavra “ianque” se originou. “Yankee” é uma espécie de caipira do norte.
Com o onze de setembro chegando (está virando uma espécie de data nacional), a Main Street de Chattam, por onde passamos, estava coberta de bandeiras americanas.
O povo daqui não tem muita alternativa de sobrevivência: a agricultura é fraca, a indústria nunca foi grande coisa. O que sobrou foi o turismo, porque alguns novaiorquinos ricos gostam de passar as férias aqui.
Existe pobreza. Talvez não no nível ao qual estamos acostumados lá no Brasil. Mas muita gente está desempregada ou com empregos como esses: caixa do Wal Mart, garçonete, funcionária do megabrechó, ou “thrift store”. Mulheres brancas, principalmente.
É triste ver o que a pobreza e a falta de perspectiva fazem com as pessoas. Vão falar que elas estão ótimas, comparadas com as mulheres pobres do Brasil. Hummm.... sei não. Existem estudos mostrando que muitas dessas mulheres (boa parte, mães solteiras) não conseguem mais, de jeito nenhum, fechar as contas no fim do mês. Aí já viu, pegam dois, até três empregos, têm de deixar os filhos com vizinhos, ou trancados em casa... vocês já conhecem a toada.
São mulheres tristes. Têm aquele olhar desanimado de quem não espera mais nada da vida, aquela lentidão nos gestos, aquela aparência de desleixo. E são gordas. Não “gordinhas” ou “fofinhas”; muitas delas estão enormemente gordas. Chega naquele ponto em que a pessoa desanima completamente, não se arruma mais, usa aquelas roupas largadonas, sem graça...
Nova York está cheia de mulheres interessantes, de todas as raças, tamanhos e cores. Pensei até em fazer um ensaio fotográfico sobre elas: a latina empurrando seu bebê no carrinho, a executiva apressada falando no celular, os grupos de garotas rindo, pela rua, com aquela felicidade de quem obviamente matou aula...
Aqui, parece que as mulheres vêm em modelo único.
Já se falou muito sobre a epidemia de obesidade americana, mas a gordura não é democrática. Rico não fica gordo. Rico tem informação, médico, nutricionista e personal trainer. O “white trash” é que é grupo de risco pra tal epidemia.
Outro problema: a comida vêm em tamanhos absurdos aqui! E nada tem gosto de nada, impressionante, parece tudo de isopor. Ao contrário do que se imagina, comida ruim também engorda. Até porque a pessoa come um monte antes de se sentir satisfeita.
Mas que as tais mulheres parecem bem tristes, isso parecem...

Ontem chegou aqui uma escritora russa, toda gostosa.

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