terça-feira, setembro 12, 2006

8 de setembro de 2006

A japonesa sentada ao meu lado é bem-educada: não ronca, não deixa a luzinha acesa, não fica tagarelando, não espalha farelos pela poltrona inteira. A japonesa sentada ao meu lado é o que se poderia chamar de uma ótima vizinha de avião. Mas, nesse momento, ela é também o principal empecilho à minha felicidade.
Estamos as duas numa fileira de três poltronas. Se a japonesa me fizesse a gentileza de desaparecer, eu seria uma pessoa feliz. Assim poderia estender meu pobre e cansado corpo na fileira de poltronas e descansar um pouquinho.
A menos que você seja anão, é rigorosamente impossível esticar as pernas num avião hoje em dia, pelo menos na posição sentada. Se não for um anão, então tem que ser rico -pra sentar naquelas belas e confortáveis poltronas da primeira classe.
E depois estranham que eu me revolte com a injustiça social.
Sorte que achei uns Lexotans no fundinho da bolsa. Foi o que me salvou. Sem o tranqüilizante poderoso que o Gérson tinha me prescrito, engoli duas pilulazinhas cor-de-rosa. Tinha tido um dia cansativo, estava podre... Não dormi, mas fiquei numa espécie de transe que melhorou bastante o pânico da decolagem.
Em algum momento do vôo, a japonesa desapareceu. Oba! Me estendi e quando acordei, só faltava uma hora para a aterrisagem.

Se vocês acham muito glamuroso ir pra Nova York, esperem até precisar andar VINTE quarteirões na Big Apple carregando um pesadíssimo laptop na bagagem. Junto com todas as tralhas que vieram juntas, o safado devia pesar uns dez quilos.
Demorei horas para achar a loja, descobrir que não tinham o modelo que eu precisava, ligar pro Brasil e pedir instruções, me explicar pro vendedor... E depois? Depois, nada. Tive que voltar pra Penn Station, onde tinha deixado a mala, porque estava cansada demais para fazer outra coisa. Fiquei sentada na sala de espera até a hora em que peguei o trem para Hudson, NY.
Mudanças em Nova York desde a última vez que estive aqui, há dez anos: um certo ar de paranóia na cidade. O noticiário dá calafrios, é só ameaça de bomba, último vídeo do Bin Laden (como diz o Zé Simão: esse cara não é terrorista, é videomaker!), furacão que vem pra Flórida, mais uma vez (mas eles não querem reconhecer o aquecimento global, acham que é coisa de ecologista de miolo mole), um maluco que raptou uma criança, etc.
Tem polícia e bombeiro que não acaba mais na rua, e os noticiários vão avisando que “Nova York ainda é um alvo preferencial de atentados!”. Tem a ver com o aniversário de cinco anos da queda das Torres Gêmeas, que acontece daqui a pouco tempo. Nesse clima, é interessante reavivar a paranóia.
Até porque, no fundo, todo paranóico tem um pouco de razão...
O novaiorquino é meio grosso pra te atender; eu ignoro a grossura e continuo na maior educação. O que me chamou a atenção dessa vez foi o número de pessoas que anda na rua grudada no seu celular, completamente fechada no seu mundinho digital, ignorando a realidade à sua volta. É muita gente, de todas as classes sociais. Mais do que no Brasil. Um troço meio autista.
Mas hoje faz um lindo dia de sol, as pessoas passeiam na rua, as meninas mandam ver nos decotões e exibem as pernas, aproveitando o final do verão. E tem homem bonito em Nova York sim senhor. A maioria, na minha opinião, crioulo. Cês precisam ver o rapaz que me levou no shuttle do aeroporto para Manhattan. A cara do Wesley Snipes.
Espetáculos, teatros, museus, consumo, muito verde, gente de todos os lugares do mundo... gente, o que eu queria dizer era o seguinte. Não sei no resto dos Estados Unidos. Mas aqui em NY, você só é infeliz se quiser.
E mesmo com a paranóia toda, as pessoas não me parecem especialmente infelizes.

Ledig House é uma instituição americana que se especializou em abrigar escritores por períodos de tempo de até dois meses. A sede fica em Ghent, no estado de Nova York, uma região linda, meio turística.
Tem um jeito fácil de explicar o que é Ledig House pros meus coleguinhas escritores. Imagine que você morreu e foi pro céu.
Aqui os escritores têm tranqüilidade e estrutura para escrever o dia inteiro.
Você faz rigorosamente o que quiser. Ninguém te interrompe. A campainha não toca. O telefone também não. Não tem criança pra cuidar, chefe pra obedecer, casa pra cuidar. Você tem um quarto só pra você, computador e Internet. Pintou fome? A cozinha está cheia de comida, é só ir lá pegar. E à noite rola um jantarzinho, com direito a vinho, e conversa com outros escritores. Tem gente de todo mundo: um suíço, um italiano, um espanhol, uma croata, e até uma neozelandesa, que é minha vizinha de quarto.
Gente... não dá pra explicar como estou feliz.
Se pelo menos minha Internet funcionasse!

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