terça-feira, setembro 26, 2006

23 de setembro de 2006

Minha estadia na Ledig House está chegando ao fim. Faltam só cinco dias. O que é bom, porque já estou com saudade de casa. Hoje minha filha me ligou pra dizer que está morrendo de saudades de mim, também. (Garanto que ela diz isso pra todas as suas mães...)
Amanhã vou me dar um dia de folga.

Estou aqui na Ledig House feito uma esponja. Assim que chega uma pessoa nova, salto em cima, pra saber quem ela é, o que já fez, o que está escrevendo, de onde vem, como são as coisas no seu país... Minha curiosidade não acaba mais.
Hoje chegou uma australiana, a Robbi Neal. Outra figurinha carimbada, que teve uma vida louquíssima: foi pentecostal, casou com dezenove anos, depois virou ministra da Igreja, fugiu com um viciado em heroína, teve câncer, escreveu sua autobiografia, e hoje vive casada e feliz com cinco filhos. Cinco! Nossa Senhora! Depois dizem que somos nós, do Terceiro Mundo, que causamos a superpopulação.
A Robbi recentemente fez um cruzeiro com o marido dela e nos contou umas histórias escabrosas sobre esses navios. Nunca mais embarco num, Deus me livre e guarde.
Diz ela que, pra começo de conversa, existem ali dois tipos de tripulação: a dos chefes, composta de australianos e gente do Primeiro Mundo em geral; e a do proletariado, digamos assim, que vem de países tipo Indonésia e exercem trabalho escravo. Escravo mesmo. Você chega e tem de trabalhar a troco de nada, porque está “devendo” não sei quanto pra empresa. E depois só ganha as gorjetas que os passageiros te dão. Agora, na Austrália em particular, não existe o hábito de dar gorjetas; então esses caras não ganham nada e são maltratados tanto pelos chefes como pelos passageiros.
O tipo de gente que embarca nesses navios é trashão. As mulheres fazem o gênero jovem-perua-cheia-de-amor-pra-dar. Os homens bebem de manhã até de noite; o bar fica aberto das nove da manhã às quatro da madrugada e o breakfast deles é cerveja. Se você andar sozinha no navio, tá ferrada, porque eles tentam te agarrar.
Não é brincadeira não, outro dia estupraram e mataram uma mulher dentro de um navio desses.
Todo ano, é estatístico, seiscentos passageiros somem dentro desses navios. Somem mesmo. Não se sabe se ficaram nos portos onde o navio parou, se caíram do barco, se foram assassinados lá dentro...
Aí vocês vão perguntar: e não acontece nada com os responsáveis? Não, porque eles pertencem a uma grande multinacional. E esta, por sua vez, faz os navios navegarem com a bandeira de um desses países que não têm lei trabalhista nenhuma, e que jamais faria uma investigação séria sobre os tais cruzeiros. Você vai reclamar pro bispo.
Gente, que horror. A tal da globalização instaurou a lei da selva nesse planeta.

Também hoje chegou o Jens Schafer, um ficcionista alemão.

Outra fonte de histórias é a Stephanie. A menina é rodadíssima. Já morou na China e na Rússia e escreveu livros sobre esses lugares; mas pra mim a história mais interessante que ela contou se passou nos EUA.
Diz que as editoras aqui, principalmente as mais comerciais, vivem atrás da “next big thing”, ou seja, aquele jovem e talentoso escritor que vai fazer elas ganharem milhões. E aí começam a fazer como na Bolsa de Valores. Ficam inflando ações, digo, escritores, que não têm nenhum valor comprovado.
Exemplifico. A Stephanie nos contou a história de uma jovem escritora, aluna de uma grande universidade, que vendeu os direitos de seu próximo romance para uma editora, antes de ter escrito a coisa. Até aí nada de anormal, isso acontece até no Brasil. A novidade foi que essa menina:

a. ganhou um adiantamento de várias centenas de milhares de dólares;
b. tinha apenas uma idéia para a história, mais nada; mas seu professor na Universidade achava que a menina era um gênio.
c. tinha dezoito anos e nunca tinha escrito nada!

Claro que não foi capaz de cumprir o contrato.
Aí vocês dirão: coitada da editora, ficou micada. Mas de jeito nenhum! Venderam o pacote especulativo todo: a menina, mais a sua idéia, mais os direitos do livro, e do filme inspirado no livro, pra uma segunda editora, por uma fortuna. Final feliz pra eles.
Pois é, especulação também existe no mundo dos livros...

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